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Um banho de imersão com Deus

Naquele dia, dirigi-me para o jacuzzi como que em busca da salvação. Há muito que ansiava relaxar. O peso de um ano de trabalho, de problemas e obrigações parecia agora insuportável. Um saco cheio, prestes a rebentar, caso não fosse despejado a tempo. Estava no limite. Tinham acabado de se me esgotar as forças e os meus movimentos reflectiam isso. Movia-me quase em câmara lenta, como um robot cujas pilhas estão prestes a descarregar por completo. Subi os degraus e saltei sem hesitar para a abundante banheira de água quente. Ao tocar na minha pele submersa, os revoltos jactos de água cruzados provocavam-me uma estranha sensação de calma misturada com prazer. Imaginei que a cada bolha que emergia, acabando por rebentar, correspondia um problema. E eu assistia deliciada àquele espectáculo pirotécnico de bolhas de água efervescentes. Umas vezes, rebentavam ao chegar à superfície. Noutras, dissolviam-se na própria água. Por vezes, pareciam até evaporar-se através da fina cortina de vapor que a água quente acabava por libertar. Um por um, os problemas iam-se afogando. Todos, sem excepção. E eu, sádica, sorria. Cada vez mais leve, mais solta e mais feliz. Decidi fechar os olhos por instantes, para que a visão não me distraísse. Não queria que a poluição visual desestabilizasse os outros sentidos, total e unicamente concentrados em delirar com aquele momento de lazer que eu decidira proporcionar-lhes. Não tive consciência de adormecer, mas comecei a sentir um leve arrepio, como se a alma se estivesse a desprender do corpo. Este leve, muito leve, arrepio foi-me atravessando o corpo, como um raio. Naquele momento senti que podia levitar. E foi nesse preciso momento, nesse instante de infinito que Ele se sentou frente a mim. Não ouvi nada, nem vi ninguém. Apenas senti uma presença forte juntar-se a mim dentro de água. Tal como o vento, que apesar de não se ver sente-se, Ele chegou, sentou-se e ficou a admirar-me por uns segundos. Depois (imagino que tenha esboçado um ligeiro sorriso, satisfeito por ter cumprido mais uma missão), dissolveu-se na água, entranhando a sua energia em mim como um pó protector que ajuda a enfrentar os males do Mundo.
Já há muito que nos conhecíamos e admirávamos mutuamente. Mas naquela tarde, após aquele inesperado encontro, ficámos amigos para sempre. Ele mostrou-me que não preciso de ir a lugar nenhum em sua busca. Sempre que eu quiser, pedir ou desejar, Ele virá ao meu encontro. Sempre que saudar alguém com o meu sorriso rasgado. Sempre que libertar da minha mão uma moeda na direcção de outra mão carente. Sempre que estiver a ver, a cheirar, saborear, ouvir ou tocar em algo belo. Ele estará lá, ele estará sempre lá. E prometeu ajudar-me, se eu colaborar e seguir à risca os conselhos que me deu: “Pela janela da alma despeja o lixo invisível que te polui. Pela porta, deixa entrar a energia universal que te move e te renova a cada dia”.

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