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Mensagens

A mostrar mensagens de 2019

Onde estás?

Procurei-te em tantas pessoas erradas.  Na sombra dos versos. No avesso dos caminhos. Nas águas onde mergulha o verão. Nas manhãs desertas e nas noites fingidas. Nos bolsos e nas gavetas. Nas multidões anónimas e atrás das portas. Na terra do pecado e no país dos sonhos. Procurei-te e talvez ainda te encontre. Amanhã ou depois. Algures, num lugar sem medo, onde a vontade vence os limites e o desejo abraça quem mais se quer. Em breve, talvez ainda te encontre.

A vida é uma menina que corre

A vida corre. Como corria aquela menina de olhos cor de esperança que adentrava os campos e trepava as árvores. Eram anos duros mas leves, rigorosos mas despreocupados. A menina tinha uma idade na qual não cabiam problemas e o ar puro entrava-lhe a plenos pulmões. Dormia o sono angelical dos pássaros e raiava como um sol ao alvorecer. A escola era uma lonjura solitária calcorreada na alegria inocente de quem nada teme. O mal não existe para quem o desconhece. E aquela menina era uma bondade só. Do campo para a cidade, de Portugal para o estrangeiro, o bom dia virou bonjour e passou a ir à l'école. Cette petite fille cresceu emigrante e regressava princesa aos bailes de Verão. Foi aí que um dia o príncipe a convidou para dançar. Era um jovem rebelde e destemido com aspirações políticas e um encanto singular. Era alto, esguio, calças à boca de sino e cabeleira a condizer com os 70's. Encantada, ela rendeu-se e o coração não parou de crescer desde esse dia. Bateu, bateu, bate

Desvirtualizar

Andamos ocupados demais. Precisamos parar e olhar mais uns para os outros. Todos os dias nos nascem rugas sem que uma carícia as confirme. Não há dia que passe sem que, na imensidão imparável de objetivos e metas, haja um momento no qual nos sentimos irremediavelmente sós. Quantos dias terminamos sem um abraço , sem um desabafo chorado ao ombro, sem uma gargalhada coberta pelos lençóis? Precisamos parar mais, frente a frente, olhos nos olhos, mãos nas mãos, nariz na pele, ofegantes, boca a boca. Desvirtualizar a vida e voltarmos a ser, simplesmente, o que nascemos para ser: humanos.

Domingos idosos

Passos vagarosos arrastam-se pelas margens da vida, nas tardes litorais de domingo. Nada os consegue apressar, na secreta esperança de chegarem atrasados ao fim do tempo. Vão de braços entrelaçados, bengalas humanas uns dos outros, contando a miudeza das pegadas invisíveis. Nas breves tardes que espreitam o inverno, o sol hiberna e o peso dos agasalhos, somado à idade, sobrecarrega quem já nada pode. Nos rostos, destinos desenhados a dor. E no olhar, apenas o mar, na serenidade acabada de beber. À espera de uma ordem divina, morte certa por marcação, continuam na incerteza do caminho, com a garantia de que o futuro será beco sem saída.

V Encontro Internacional Poesia a Sul - Olhão - 18 a 27 outubro 2019

Cartaz oficial 2019 Prestes a cumprir-se a 5ª Edição, o Encontro Internacional Poesia a Sul está consolidado e tem vida própria. Mas importa não esquecer que partiu da ideia de um homem, também poeta, que um dia sonhou trazer à sua pequena cidade (Olhão) a poesia de todo o mundo.  Fernando Cabrita, consagrado poeta e advogado olhanense, é e será sempre a alma deste evento, ímpar em Portugal, e cada vez mais reconhecido um pouco por todo o mundo.  Fernando Cabrita, poeta mentor do Poesia a Sul - créditos da foto: Município de Olhão Espetadora desde a primeira hora, e participante na 2ª edição em 2017, saliento o espírito fraterno do convívio multicultural que se experimenta na partilha do dom da palavra nas mais diversas línguas.  Poetas vão, poetas vêm, poetas retornam e tornam-se imortais nas páginas dos "cadernos Poesia a Sul" e, a partir deste ano, também na nova coleção de livros "Autores do Poesia a Sul".  Inma Luna (Espanha) com Edifíc

A vida começa agora

A data diz-me que cheguei aos quarenta. Mas o espelho e a balança do tempo não o confirmam. Ainda experimento, vejo e sinto uma estranha leveza. Os anos ainda não me pesam e o que a idade me ofereceu é tanto mais do que a passagem do tempo naturalmente me roubou. Aceitar deixou de ser um verbo de conjugação resignada: agora é sinónimo de sabedoria. Tenho tanto para fazer, tanto para dar, tanto que ainda gostaria de receber. Mas os dias cavalgam a uma velocidade furiosa e eu já só procuro a harmonia suave e perfeita de cada instante. Mais dia, menos dia, mais ano, menos ano, tudo irá conspirar para que a minha missão se cumpra. Se não foi, não era para ser. Se não acontece é porque não tinha de acontecer. Caminho para um tempo no qual até o caos é perfeição, se observado à lupa da serenidade do olhar. A vida não se acalmou. A quietude é que me abraça os gestos, agora fortalecida pelos ensinamentos. Nesta juventude tardia da existência, estabilidade continua a ser um conceito abstrat

Terreno fértil

Não sou tão forte como imaginas. Aliás, eu não sou nada do que imaginas. Sou apenas eu: Uma mulher simples que busca a cada instante o conforto dos afetos e o êxtase das realizações. Tão simplesmente isso. Nada de extraordinário, pois não? Que mais te poderei dizer sobre mim? Que choro muitas vezes, sempre às escondidas e em silêncio, só para não explodir e incomodar alguém? Que o riso me nasce com a mesma força, de origem espontânea, e esse não consigo conter? É que a alegria, quando me vem, transborda-me. E não tenho outra hipótese senão espalhá-la, partilhá-la, multiplicá-la em meu redor. Parece-me justo: ser egoísta na tristeza, guardá-la só para mim, e caridosa na alegria, repartindo-a com o mundo. Não sou um ser imaginário e intocável. Sou apenas semente. Se eu quiser e deixar, podes tocar-me, plantar-me, regar-me. Se tiveres esse dom de lavrador, estou certa, no nosso cantinho de terra, amanhã ou depois, hão-de nascer maravilhas.

Banho de sol

Despida do pesar dos dias Procuro o tempo e a brisa Onde o ócio de faz prazer  Ferro em brasa Fundo-me com as marés E renasço espuma Na pureza cristalina do pensamento A levitar na surdez dos sentidos  Grita-me na pele o sol do meio-dia  Mas nos búzios só oiço mar  Submersa nesta onda de paz

Bons ventos

Vem, vento da mudança varrendo as memórias que já não têm espaço em mim. Sopra-me o espanto  das alegrias simples, abraços e mãos entrelaçadas, brilhos espelhados no olhar, sonos profundos sem pesadelos, numa realidade que supere o sonho.

Desabafos salteados

Repito-me para me aperfeiçoar. Reitero-me para me confirmar. Sou pleonasmo, redundância, rotina perseverante em tudo o que me faz bem. Posso alimentar-me todos os dias do mesmo sabor, usar o mesmo perfume, amar a mesma pessoa. Porque nada do que me agrada me enjoa. O tédio nasce da repetição do desagrado.

Desejo transatlântico

Mergulho num desejo transatlântico que me faz ondular o sangue, ao ritmo das palavras que vão e vêm. Experimento a saudade de um futuro desconhecido que se augura risonho, pela mão de um explorador de sonhos que um dia se fez homem. Embarco sem bilhete de ida nem volta, no caminho marítimo para a felicidade. Se encontrar terra firme, um porto de abrigo, só desejo ancorar o coração.

Sinónimos de Mãe

Mulher sempre pronta a cuidar e perdoar, sem reservas nem condições. Alguém que tudo dá, sem nada esperar (ou exigir) em troca, porque toda a felicidade passa a nascer da alegria do ser gerado. Alguém capaz de suportar todas as dores, esgotada e faminta, só porque disse sim à maior de todas as missões (e desistir nunca será opção). Alguém eterno e omnipresente, com vida para além da morte, enquanto persistir na memória a ternura do primeiro abraço de amor embalado contra o peito. Mulher insubstituível que, na invisibilidade dos gestos, sem almejar aplausos, vive na esperança da recompensa maior: conseguir oferecer ao mundo um exemplar valor humano. 

Amar em silêncio

Nem sonhas quantos beijos te dei hoje. Os meus lábios já sabem desenhar o teu rosto. Mas é só um esboço, um retrato impossível que fico a imaginar. Detenho-me e demoro-me na perfeição da tua boca e sonho o perigo de um dia perder-me nos segredos dessa gruta. Preciso acreditar nos milagres que fazem o amor sempre vingar. Ainda que tenha de morrer por um abraço teu, nenhum sacrifício será maior que a penitência de continuar a viver sem respirar a tua pele.

O profeta ateu

O meu pai não se chama José, nem sequer acredita em Deus. Mas é o ateu mais cristão que conheço e tem nome de profeta. Homem de grandes virtudes, Eliseu demonstra mais do que diz, cumpre mais do que promete. Podia ser mais generoso a distribuir beijos e abraços mas nem isso é defeito, é apenas feitio. De todos os ensinamentos maiores, devo-lhe a liberdade de escolha e de pensamento. Nunca me obrigou a ser ninguém que não sou, a fazer nada a contragosto ou vonta de. Ensinou-me sim a liberdade, sinónimo de responsabilidade, e assim a tenho cumprido. Nunca me impôs habilidades ou religião, curso, namorado ou profissão. Nessa tamanha liberdade de ser, deixou-me uma só condição: se errasse, que soubesse lidar com as consequências. Ainda assim, o desamparo nunca foi castigo e a mão invisível de pai esteve sempre comigo, nas horas de maior aperto. Pai, és um bom homem e um homem bom. Pai, agora grisalho, és um magnífico avô. Pai, na terra és grande como o céu. E aqui és meu Pai, senhor Elis

Dores de crescimento

A infância acena-me ao longe. Convida-me para brincar. Deve ter saudades minhas. E eu dela morro de saudades quando na almofada fecho os olhos. Tenho saudades de ser criança porque os meus pais eram jovens e a morte um assunto distante. Era aquele tempo no qual o tempo existia mesmo. Todas as tardes eram livres e todos os lanches leite com chocolate. Nesse tempo não me lembro de implorar abraços e o consolo chegava sempre antes das lágrimas. As únicas de cisões eram escolher entre brincar à apanhada ou às escondidas. Desconhecia a matemática e era tão feliz com isso. Nem contas de somar, nem de sumir, quanto mais impostos e faturas por pagar. Os dias eram de uma leveza flutuante. Bastava deixarmo-nos levar pela corrente, a brincar ao homem morto, com a certeza de sermos salvos pelos braços do amor. Nenhum peso, nenhuma dúvida, nada pendente por resolver. Apenas a Primavera da vida, na sua harmonia amena e florida, a chilrear alegria dentro de nós.

Ainda és jovem!

Ouço repetidamente esta afirmação desde os meus 20 anos. Se é para arranjar trabalho, ainda és jovem, dá tempo ao tempo. Se é para encontrar o amor, ainda és jovem, há-de aparecer. Se é para ter filhos, ainda és jovem, tens a vida pela frente. Ontem, ao escutar a homilia do Papa Francisco, dirigida a uma multidão de jovens, no encerramento da Jornada Mundial da Juventude no Panamá, lembrei-me desta expressão e de como fui enganada toda a vida. "Os jovens não sã o o futuro", dizia o Santo Padre, "são o presente". Esperar por amanhã é um dos piores erros do ser humano. O verbo agir soa melhor e só faz sentido no presente. Ser jovem é ter a idade certa para ser a mudança no mundo. Se alguém me tivesse dito isto há uns anos atrás, talvez tudo tivesse sido diferente. Talvez tivesse esperado menos e agido mais. Talvez tivesse feito parte de um qualquer grupo de jovens ativos e solidários sempre disposto a doar-se, abraçando causas e lançando-se ao caminho. Talvez tive