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Mensagens

A mostrar mensagens de novembro, 2013

Perdidos e achados

Haverá outra forma de treinar o desapego senão perdermos alguma coisa de vez em quando? Estimamos os nossos objectos como se pessoas fossem e choramo-los quando partem, como se não suportássemos a existência sem eles. E esquecemo-nos sempre que nada temos de verdadeiramente nosso. Tudo vem e vai. De tudo e de todos teremos de nos despedir um dia, para sempre. Há todo um mundo que não voltaremos a ver e que não levaremos connosco no bolso. Mas insistimos. A nossa casa. O nosso carro. Os nossos objectos pessoais. Ignoramos tufões, incêndios e terramotos. Não queremos pensar nisso. Que mau agoiro. Calamidades dos outros, imagens longínquas repetidas pela televisão. Mas pode-nos acontecer. Estaremos preparados para, a qualquer momento, recomeçar do zero sem nada do que acumulámos ao longo da vida? Ninguém está. Não há quem acredite ser capaz. Até ao dia em que a fatalidade nos invade a vida e nos troca os sonhos. Ainda ontem, depois de me sentir extraordinariamente feliz com um duche qu

África minha

“Out of Africa ” soundtrack, John Barry, 1985 Sem tempo para o cinema, este fim-de-semana não resisti ao apelo de uma banda sonora em promoção. Por apenas cinco euros, adquiri esta preciosidade. “Out of Africa” , na versão portuguesa “África minha”, é um grande clássico do cinema para o qual (o já falecido) John Barry compôs um conjunto memorável de temas. Para quem não conhece, partilho a faixa principal “I had a farm in Africa” , que não me canso de escutar repetidamente, sempre com a emoção à flor da pele. Deverá ser uma das músicas da minha vida! 

Escrevo para esquecer

Doença é um nome feio. Mete medo e cheira a hospital. Soa a morte prematura. Dói a quem a sente e a quem a vê. Há dias vi-a passar à minha frente. Ia disfarçada de colega de infância. Quase não a reconheci. Passou empurrada sobre duas rodas. Ao fim de uns segundos, exclamei de susto: o que foi que aconteceu àquela rapariga que eu conhecia? Senti vontade de saber mais, mas vergonha de perguntar. Para quê confirmar o que as imagens revelam sem dó? Nunca mais falei com ela. Se antes não foi oportuno, agora seria constrangedor. Impossível não sentir compaixão de alguém tão jovem e tão privado de vida. A doença rouba mais que a idade. Apodera-se da beleza. Centrifuga a pele e mastiga os ossos. É um furacão de arrancar forças e cabelos. Por onde passa, deixa apenas os destroços e raramente uma esperança vaga de recomeço. Espantei-me: naquele rosto não vi tristeza nem dor. Onde contava ver desespero, observei serenidade. O ser humano habitua-se a tudo. O que não se pode mudar, aceita-se. A

Ensaio sobre a cegueira

"Blindness", Fernando Meirelles, 2008 Agora que o frio convida ao aconchego, volto a pôr a cultura cinematográfica em dia. Na data em que celebraria noventa anos de idade, em jeito de homenagem, assisti pela primeira vez em DVD ao filme que fez Saramago chorar na estreia. Adaptado ao cinema pelo aclamado realizador brasileiro Fernando Meirelles, “Ensaio sobre a cegueira” , baseado no romance homónimo do Nobel português, é um filme chocante que decididamente nos faz abrir os olhos.  Não o terá feito com essa intenção, mas ao ler as primeiras linhas do livro, temos a sensação que José Saramago estava já a desenhar o esboço de um filme. Toda a descrição é muito pictórica, um apelo à visualização, quando ironicamente o tema central é a cegueira. E se, de repente, a humanidade fosse inexplicavelmente contaminada por um estado de cegueira? O autor parte desta premissa para ficcionar o que aconteceria. E a resposta a que chega é o caos. Na sua mente de génio, Saramago imagina o

Orgulho e preconceito

"Pride & Prejudice", Joe Wright, 2005 Uma tarde sossegada de Outono faz-me abrir a gaveta dos DVD por ver. E sou escolhida por este filme de 2005, que há anos me persegue implorando para ser visto: “ Orgulho e preconceito” . Baseado num dos romances mais aclamados de Jane Austen, proeminente escritora inglesa do século XIX, esta é uma história do tempo em que as mulheres casavam sobretudo por conveniência. Mas a protagonista, Elizabeth, é uma excepção à regra e, apesar da pressão familiar para precaver o futuro com um casamento abastado, não consegue conceber a ideia de casar a não ser por amor. Ainda que despreocupada com a possibilidade desse ideal não se concretizar, acaba por fixar a atenção no arrogante e nada simpático Mr. Darcy, acabado de chegar à província. Ela é a rapariga pobre que o vai encantando pela sua inteligência e atitude pouco convencionais. Ele é o rapaz rico e bem parecido que se finge indiferente aos seus encantos, por mera imposição social. Se

Coração adiado

Não me ofereças flores, escreve-me cartas. Oferece-me suspiros feitos de crença em mentiras inócuas. Faz-me sentir tua. Toma-te de posses por mim, já que nada temos de nosso a não ser isto que nos une: uma fúria divina só provada pelos que nada temem aos céus. Até os deuses consentem, abençoando às cegas quem se quer assim. Que mal pode fazer um amor sem fim? Talvez excessivo seja para o músculo que bate, bate. Chegará esgotado às noites, pela arritmia dos dias, mas adormecerá feliz, almofadado na certeza de que pulsa por alguém.     

O Homem de Constantinopla

José Rodrigues dos Santos é um autor best seller porque a sua escrita ensina e entretém a um ritmo compulsivo. Deseja-se virar cada página, ansiando o porvir. Foi assim, veloz e surpreendente, a minha viagem pelas quinhentas páginas de “O Homem de Constantinopla”. Guiada pelas palavras do autor, deslumbrei-me com os encantos da antiga capital do império otomano (Constantinopla), hoje a magnificente cidade de Istambul. É lá que começa a desenrolar-se a extraordinária vida do arménio Calouste Gulbenkian, aquele que viria a transformar-se no homem mais rico do planeta na primeira metade do século XX. A sua visão, precocemente estratégica, leva-o desde cedo a investigar as potencialidades do ouro negro. E será o negócio do petróleo que potenciará toda uma fortuna capaz de financiar a sua grande paixão: coleccionar arte. “O que é a beleza?”. Foi esta questão, lançada por um professor na infância, que atormentou toda a existência de Calouste Gulbenkian, levando-o a uma procura incessante