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Mensagens

A mostrar mensagens de março, 2013

Ociosidades

Hoje serei crisálida. Vou arrancar do pulso o conta horas, libertar os pés de meias e sapatos e, como quem se alivia de um peso de chumbo, atirar o corpo inerte contra a moleza do colchão. Enquanto me esvazio de sons, vou deixar o pensamento afundar-se numa almofada de sonhos. Vou ignorar cada ruído até o ar ser só silêncio possível de respirar. Vou esconder os olhos da luz do dia e deixar correr a persiana que me separa do mundo lá fora. Ao parar de contar, começo a sentir. Duas horas de vagar são muito mais que cinco horas de pressa. O tempo espreguiça-se prolongando a tarde num dia inteiro. Sinto cada minuto durar o tempo de um prazer. E os prazeres são eternos, só eles sabem estender-se no repouso infinito da memória. Levanto-me de um sono leve oferecendo sorrisos às paredes. Ainda é dia e os móveis estão pintados de cores mais alegres a esta hora. De corpo enroscado no calor de um robe, piso o frio do chão com os bicos dos pés até às páginas de um livro abandonado. Aconchegada

O caminho da felicidade

A linha não é recta. São ziguezagues, pontos unidos por linhas acima e abaixo. Os picos são os momentos em que o coração parece querer saltar do peito. Aquele beijo que eu te dei e que tu me deste de volta no momento em que queríamos os dois. A alma a desprender-se do corpo num arrepio quando a tua boca olha a minha enquanto os teus olhos a beijam como se fossem lábios. Um aplauso sonoro, o reconhecimento de que tudo o que fizeste e choraste não foi em vão. A felicidade não se mede em tamanho nem peso. Ser feliz é ser desmesurado. Não medir, nem esperar, saltar mais alto e mais longe, sem temer o limite ou a dor. Ser feliz é um voo em queda em livre de olhos fechados e braços abertos e sorriso esborrachado contra o vento. É um mergulho que se dá sem roupa, deixando as carnes livremente flutuar. Ser feliz é não ter vergonha nem medo. Fazer o tempo todo o que se quer e não apenas o que o mundo diz que se pode. Ser feliz é simplesmente permitir-se. Felicidade é a alma gémea da liberdade

Dia do (Santo) Pai

Quando fui a Roma não vi o Papa. Ardiam os primeiros dias de Agosto e Sua Santidade havia-se retirado para a residência de férias em Castel Gandolfo, um pequeno paraíso rural nas margens do Lago Albano, a meia hora da capital. Foi lá que se deixou avistar, numa celebração dominical do Angelus. O recém-chegado Papa pouco tinha de novo. Bento XVI, um septuagenário, por todos era visto como “um Papa de transição”. Um Santo Padre alemão, de ar grave e austero, somava simpatias sempre que derramava a voz sobre os fiéis. Num tom de veludo, um italiano esforçado derrubava o alemão entranhado nas cordas vocais e espalhava-se pela multidão como um bálsamo. Os instantes que antecedem o momento de avistar o Papa são de grande emoção, mesmo para um não crente. Há algo de paternal naquela figura branca de braços erguidos ao céu. Até o ateu mais convicto aceita a bênção papal com a maior paz de espírito. As mensagens de fé renovam esperanças e devolvem tranquilidade aos espíritos mais inquieto

Irmãs de sangue

Quem nos visse juntas julgava-nos irmãs. A mesma estatura, os mesmos cabelos longos, o mesmo estilo de vestir, Levi’s e All Star de todas as cores, os mesmos ideais. Sonhávamos ser arquitectas e estudávamos para isso. Noites e noites em claro, a mesa coberta de folhas A3, lápis de várias durezas a rolar sobre o papel, borrachas brancas, réguas, esquadros e compassos misturados, os teus e os meus. Toda a geometria descritiva começava numa linha de terra de onde sabíamos fazer crescer polígonos. Régua e esquadro alinhados, lápis bem afiados, um ponto que se ligava a outro multiplicando a magia traço a traço. A cada exercício perfeito, esboçávamos sorrisos tão imaculados quanto as folhas limpas de borrões. Ouvíamos músicas calmas e nos intervalos desabafávamos os desamores. Lembras-te daquele meu primeiro amor que se apaixonou por ti enquanto tu não conseguias esquecer aquele rapaz que namorava com a miúda mais gira da escola? Porque é que os amores andam sempre tão desencontrados, perg