Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens de 2018

A mais triste noite feliz

Um feliz Natal a todos os que não têm o que eu tenho. Começo por desejar um Natal feliz aos doentes, porque nada nos faz mais falta que a saúde, o único bem que, a par com o amor, não há dinheiro que compre. Depois, desejo um feliz Natal aos que não têm um teto, nem cama, nem sequer uma almofada onde repousar os problemas. Prossigo desejando um Natal Feliz aos que a fome  faz doer o estômago e o coração. Um feliz Natal aos órfãos e aos viúvos, porque não há tristeza maior à ceia que o vazio dos lugares insubstituíveis. Um Natal feliz aos padres e a todos os outros para quem o celibato não foi uma escolha livre mas um destino. Um feliz Natal a todos os que o trabalho rouba ao conforto da família na noite mais sagrada do ano. Um Natal feliz aos que vão nascer e àqueles para quem este será o último Natal. Um feliz Natal para todos os que sentem esta noite feliz, por carência ou solidão, a noite mais triste de todas. 

Mãe

Fui eu que te fiz mãe.  Antes de mim, eras apenas uma jovem mulher com o desejo maior de abraçar um sonho. Fui eu que realizei o teu sonho. Um dia acordei nos teus braços e ofereci-te a felicidade. Fui a tua boneca de brincar aos vestidinhos cor-de-rosa e a menina-luz dos teus olhos. Depois de mim, nada como dantes. O teu coração mudou de lado e passou a bater fora do peito. Só o medo nos separa, mãe! O medo de perder, o medo de sofrer, o medo de não sermos tudo o que sonhámos ser juntas. Só o medo nos trava por vezes esta amizade sem princípio nem fim. Sem cordão umbilical, só a liberdade nos pode manter ligadas para sempre, neste amor filial.

O outro lado da morte

A tua última morada foi o meu coração. À boleia da memória, é aqui que regressas, sempre que te aperta a saudade. Deixo a porta encostada, não precisas de chave, nem de hora para voltar. Bate apenas ao de leve, para que a distração não me apanhe num susto e um grito não espante os vizinhos. Às três pancadas, entra à vontade, estou sempre tua espera. És tu quem me traz flores e até aprendeste a rezar. Num reencontro de mãos dadas, agradecemos ao Pai Nosso  e prometemos não chorar no adeus. Quando do teu corpo em brasa apenas restou a cinza do teu nome, guardaram-te como um tesouro num cofre. Fui poupada às romarias de finados e às lágrimas de cemitério. Agora, só choramos de alegria quando o sonho de um abraço quase parece real. Voltas a ter corpo e sorris para mim como antes. Estás na mesma. Eu envelheço mas tu não. Tomo-te as mãos num beijo e sorrio-te de volta, perguntando: Como é que consegues enganar a morte e fugir dessa prisão para me ver? Ludibriando-a, respondes, num piscar de

Poesia a Sul

Tudo o que buscas é a eternidade. É por isso que insistes neste teimoso duelo com as palavras. Queres dominá-las, umas vezes com técnica, outras com astúcia, sempre com sensibilidade. E elas, as palavras, serpenteiam-te. Mas tu, poeta, és um encantador. Timbrando lutas e desilusões, acaricias a realidade, sempre convertendo tudo. Em beleza o horror, em música a dor,  em perfeição o amor… Ó poeta! De onde vens? Que angústias percorreste até aqui? Quantos sonhos ainda trazes na mala? Que memórias esperas daqui levar? Nesse bolso sempre vazio, sempre roto, onde descansa e se aquece a mão que escreve. Que importa a pobreza, não é poeta? Se todos te honram e batem palmas… Foi a bordo das palavras que aqui chegaste e será planando sobre elas que ficarás um dia, sobrevivendo ao esquecimento. Serás figura histórica, data centenária, serás estátua ou nome de rua por onde a vida continuará a passar. E todos os anos, numa viagem eternamente poética, todos retorn

O último dos 30

Chegar aqui sem nunca ter recorrido ao psicólogo, ou até mesmo ao psiquiatra, é uma proeza genial. Mas só atingem esse extremo da dor os que vivem apaixonadamente e sem limites. Loucos são aqueles que se aproximam dos quarenta sem histórias para contar, cicatrizes para exibir, ainda muitos sonhos por realizar… Hoje faço anos e digo trinta e nove, saboreando cada sílaba com o prazer da experiência. Digo trinta e nove, com o sorriso sereno da maturidade, aquele que já não precisa de motivo ou razão por ser tão essencial quanto respirar. Digo trinta e nove sem pressa, porque tudo tem o seu tempo e já compreendi que a minha vontade só acelera o que depende unicamente de mim. Tudo o resto é saber esperar. Digo trinta e nove com a alegria de quem, finalmente, tem amigos de verdade, daqueles que vibram com as tuas bem-aventuranças e são os primeiros a chegar quando o choro se impõe. Digo orgulhosamente trinta e nove com a certeza de que não queria ter outra idade, pois esta tem a beleza d

Saudade sem lágrimas

O luto é o tempo que levamos a chorar a dor. Depois, tudo se transforma em tempo e os que partiram antes de nós só morrem no dia em que os esquecemos. Passaram três anos e ainda não há um dia que passe sem pensar em ti. Mas já há algum tempo que deixei de chorar. Recordo-te na memória dos bons momentos e nas tuas frases inesquecíveis. Recordo-te no cheiro a polvo assado que fumega nas feiras e no borbulhar da cerveja sobre a mesa do bar. Recordo-te sempre que o meu olhar se perde no mar sem princípio nem fim, o mesmo que te levou ao fim do mundo, vezes sem conta, e te trouxe um dia de volta para mim. Recordo-te nas feições da nossa menina, retrato vivo do teu olhar. Hoje é dia internacional da paz e dia mundial da gratidão e faz tanto sentido teres partido nesta data. Fizemos as pazes e serei eternamente grata pelo caminho de aprendizagem que percorremos juntos. Não me arrependo nem lamento uma virgula, porque tudo foram tijolos na construção da minha identidade. Devolvo-te o s

Avó-milagre

Otília, 2008 Todos temos, pelo menos, um anjo da guarda. Neste mundo, o meu encarnou numa querida senhora, que tenho a feliz sorte de ser minha avó. Quando penso nela, fogem-me as palavras, por ser tanto para mim. Mais do que uma jóia rara ou um tesouro, a minha avó é uma bênção e eu sou afortunada só porque ela cuida de mim. Em todos os momentos decisivos, de alegria ou dor, sem pedir ou chamar, lá está ela, sempre ao meu lado, ombro amigo, palavra de consolo, mão na mão, a oferecer a misericórdia do seu sorriso. Como é bonita a bondade da minha avó! Nunca conheci outra igual. É genuína e gratuita, quase sobrenatural. Jamais pressupõe condição ou moeda de troca. Toda ela se oferece aos outros, numa humanidade santificada de quem só conhece o bem. Como é bom ter uma avó! Como é bom ser trintona e ter uma avó! Avó, como é bom atender o teu beijinho de boa noite, diariamente, depois do jantar. Como é bom saber que rezas sempre por mim, que sonhas os meus sonhos, que te realizas qua

Desabafos salteados

A vida é como um sonho que acaba e se esquece, se não a passarmos para o papel. Escrever é como revelar as fotografias da alma, capturadas pelos piscares de olhos diante do que vemos. É fácil esquecer o que sentimos naquele preciso momento. É preciso registar para partilhar. Para que outros vivam o que não puderam viver. Para que outros recordem o que não querem esquecer. Para que todos sejam perpetuados na memória das palavras.

Desabafos salteados

Finalmente, o verão saiu à noite. Na minha varanda virada para lua, a paz está comigo. Oiço grilos cantantes e sinto a brisa como a carícia da tua mão. No céu, as estrelas são ideias luminosas que despontam em mim. No horizonte, o aceno de um farol parece ser a luz ao fundo do túnel. Dentro de mim, apenas sonhos. Muitos sonhos. Vamos dormir?

Desabafos salteados

Há dias em que a vida parece tão simples. Basta respirar e saciar as necessidades. Comer, orar e amar. Fazer o que nos dá alegria e prazer. Conviver com as nossas pessoas. Pensar pouco e sentir muito. Creio que isto é saber viver.

Uma casa sem livros

Era uma casa sem livros. Estava cheia de solidão. Sobre as prateleiras não viviam vozes adormecidas à espera de uma carícia. Havia pessoas que trocavam olhares vazios. As palavras resumiam-se a monossílabos, arrotos  cerebrais espontâneos e inúteis. À noite, o burburinho que sempre emerge dos livros que nos espreitam  vigilantes, não existia. No ar, apenas solidão e silêncio, ausência e vazio, o roncar inerte de corpos sem  alma, espelhos da casa, desta casa sem livros, com portas e janelas blindadas, à prova de palavras  e  ideias, como se estas armas fossem proibidas por lei.

Continuas a fazer anos, sem envelhecer…

Não me esqueci. Como poderia esquecer-me? Hoje farias 60 anos e só o cabelo grisalho denunciaria a tua idade. Sempre pareceste muito mais novo, exibindo uma saúde férrea de espalhar inveja. Não fosse aquela maldita doença e ainda aqui estarias, a massacrar-nos com o teu mau feitio militante. Quando alguém parte cedo demais, até os defeitos deixam saudades. A implicância com coisas menores era o teu forte. Por vezes, parecias possuir superpoderes e exigias o mesmo heroísmo de todos em teu redor. Não eras o amor perfeito mas um grande companheiro de viagem. Não eras um educador exemplar mas um pai dedicado e carinhoso. Eras um pai-avô, como te autoproclamavas, depois de teres repetido a experiência pela quarta vez aos 50 anos. Nesse dia, há dez anos, visitámos o Oceanário e à saída tirei-te uma fotografia. Tinhas um bebé de três meses ao colo. De olhos cerrados, beijavas-lhe a testa, inspirando amor. Era o teu “brotinho”, dizias tu. Era o “nosso tesourinho”, dizia eu. Como o tempo pas

Benilde ou a Virgem Mãe

A mãe e eu | 29 de setembro de 1979 És leite morno a transbordar do seio Cordão umbilical resistente ao corte És a pele que cobre o frio e o medo Fizeste-me milagre nascido da morte És o olhar vigilante que antevê a queda A mão segura, o amparo constante És colo, beijo, doce carícia pura Mesmo longe, nunca estarás distante És norte, palavra amiga, orientação O sofrimento mais alegre do mundo Coragem ímpar, força extrema És mistério sobrenatural sem explicação És filha, mãe, avó Imagem omnipresente És quem não me deixa só És quem me sente e pressente Quando a garganta dá um nó És calma e colo e silêncio O bem contra todo o mal És mãe da tua filha E mãe da tua mãe Fonte do amor incondicional És abnegação, benevolência O fim de qualquer turbulência És paciência sem fim O mar e o céu juntos Canção de embalar A ecoar, eternamente, dentro de mim. (Dedic

Reciclagem do amor

Há uma certeza que me rasga o peito e me ata o pensamento. Eu amo-te. Estou certa disso. Sou capaz de reconhecer em cada reação do meu corpo um sintoma indicador da veracidade do meu diagnóstico. Não é a primeira vez que penso continuamente em alguém noite e dia, dia e noite, como se não houvesse intervalo possível para uma mente sempre alerta, mesmo durante o sono. A ausência de notícias é o que mais me consome. Não saber, a cada hora que passa, por onde andas, o que estás a fazer, se e quando pensarás em mim. É aqui que encontro também a razão mais plausível para desistir de ti. Se fosse para ser possível, não seria assim. Um amor que vive de pensamentos tende a morrer de saudades. O amor alimenta-se de carne, de pele, odor e calor. E eu já quase não consigo imaginar o contorno do teu rosto sem voltar uma e outra vez às fotografias que guardo no computador. Na angústia sôfrega de te querer tanto e não te ter, a certeza volta a quebrar-se em mil pedaços, transformando-se numa dúvi

Uma dezena de milagre

11 de Março de 2008 Tento imaginar a vida sem ti, num exercício impossível de quem procura reviver uma existência passada. Tudo parece ter nascido depois de ti. Até mesmo eu. Antes, talvez apenas existisse. Só depois de experimentar a extraordinária magia da multiplicação da carne é que aprendi a viver. Minha filha, és a única. Uma dezena de anos depois, continuas a ser a única pessoa que um dia me habitou. Poupando-me a gemidos e dores, conquistaste a tua liberdade, numa irrepetível madrugada de Março, dia 11, no calendário de um primaveril 2008. Só tu me abraças como se abraça o tempo, num aperto de eterno reencontro. Só tu, versão refinada de mim, consegues ser a superação da minha limitada e frágil existência. Disfarçada de criança, és a pura beleza da inteligência ingénua. Palpitando ideias geniais, és promessa diária de futuro. Brotando como uma flor, és a certeza de um amanhã que dará árvores de fruto. Quando sorris, és a esperança renovada de dias melhores. A cada centíme

Fast Love

Plim! Conheceram se online E houve logo um clique Primeiras mensagens Sorrisos acesos A esperança a renascer A solidão a desvanecer Na virtualidade dos dias Intervalos felizes Um entusiasmo desperto No adormecer das dores da vida Despertares enérgicos E tarefas velozes Na ânsia de palavras cruzadas Cliques poéticos de adivinhar sonhos A mesma canção a convidar para dançar A promessa de um abraço embrulhado no calor de uma mantinha... A utopia de um amor perfeito! O teclado apressa se Na urgência de um encontro Já só querem fugir Para os braços um do outro Num divertido toca e foge Entre o desejo e o medo Finalmente, um convite: Jantamos? Sim, claro, porque não? Dizem que a realidade supera a ficção Porque não? Porque não? Porque não? Sim, vamos! Encontram se num abraço Afinal, são de carne e osso Confirmam se Existem mesmo São reais e estão tão vivos! Viagem de olhares e silêncios risonhos Abraços, abraços, abraços... Os olfat

Medo de ser feliz

Os hábitos moldam-nos. Limitam-nos os desejos e as vontades. Nada é mais seguro e tranquilo que viver no casulo. Mas o Mundo gira, o tempo voa e sempre chega a hora da borboleta. Chama-se efémera, o nome do tempo que dura a felicidade. Descobre que voar tem tanto de mágico como de assustador. Mas ser feliz é planar em equilíbrio, aquele ponto no qual estamos alinhados com o universo, não pendemos para lado nenhum, a não ser para o nosso centro vital, onde um coração, no compasso certo, conta o tempo mais devagar. Não tenhas medo, lagarta! Ainda que venhas a ser efémera, terás conhecido o voo da felicidade.