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Mensagens

A mostrar mensagens de fevereiro, 2012

Domingo de Sol

- Está um dia tão bonito, aonde é que queres ir? A língua entorpece-me de raiva sempre que me obrigam a responder a esta pergunta. Só me ocorre Paris, Nova Iorque, Rio de Janeiro, ou muitos outros sítios bem longe daqui, onde sei que não é possível ir de imediato. - Sei lá, decide tu. E é o suficiente para que subitamente surjam trovões num céu imaculadamente limpo. Chave no carro, primeira metida, vrrrrmmmm, aqui vamos nós. - Esquerda ou direita? Silêncio. Olhares suspensos na brisa que atravessa o tablier. - Vira para qualquer lado ao calha e vai andando, logo se vê. Palavrões mudos retidos na boca. Mais silêncio. Fecham-se os olhos debaixo dos óculos de Sol e respira-se fundo. O carro ganha velocidade de Domingo, pouco mais que dois cavalos. Num arrastar suave, espreitam-se as vistas que passam pela janela em câmara lenta. Sempre as mesmas ruas, sempre as mesmas casas. As pessoas mudam, mas ainda assim parecem todas iguais. Exibem trajes domingueiros, uma camisola n

Sono perpétuo

Ontem à noite, enquanto as minhas pálpebras repousavam temporariamente sobre os olhos, no outro lado do mundo, uma outra mulher adormecia. Hoje, ao despertar para um magnífico domingo de sol, sou surpreendida por uma notícia triste: ela não acordou. O corpo da cantora, tal como a voz, mergulhou para sempre num sono profundo. A tristeza que sinto inunda-me de recordações. Lembro-me perfeitamente de um dia ter desejado ser como ela. Tinha uns doze, treze anos, quando fui ao cinema ver o primeiro filme para crescidos. A euforia era grande. Um momento inesquecível. Sem pais, sem ninguém a controlar, lá fomos, avenida abaixo, um grupo de amigos, alguns namoricos pelo meio. Parecíamos gente adulta na sessão das nove e meia. Na consciência, apenas o peso da ordem para regressar a casa antes da meia-noite. O coração batia forte, acelerado. Emoção, sorrisos, sussurros e risinhos trocados a meia-luz, ilusões misturadas com desejo de um primeiro beijo no escurinho do cinema. Pelo meio, de colo

Vaga de frio

Este vento gélido parece arrastar destroços de leste. É Fevereiro de um ano em que ninguém augura nada de bom. Por cá, por toda a Europa, Estados Unidos e um pouco por todo o lado, é a crise. Anda na boca do mundo e afecta mesmo quem não entende os porquês. Lá para o fim de 2012, Dezembro, há quem diga que acaba o Mundo. Para ser honesta, dou pouco crédito ao calendário Maia. Impressionam-me mais as evidências que se me atravessam dia-a-dia no caminho. No outro dia, ao sair do carro, ao virar da esquina, sinto aproximar-se um vulto masculino. Coxeia na minha direcção. Sou subitamente invadida pelo receio. Temo a violência. Tenho medo que me queira fazer mal. Afinal, ouve-se de tudo por aí. Mais perto, vejo tratar-se de um homem de meia-idade. Cinquenta e tal, quarenta e muitos, não consigo precisar quantos anos tem. O retrato visual automaticamente processado pelo meu cérebro diz-me que aquele homem parece carregar o peso de muitos mais anos do que os que na realidade tem. Coxeia. M