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A mostrar mensagens de março, 2011

Conto "Casa de Bonecas" - página 7

Pedro sabia que não poderia fazer muito para resolver os imensos problemas em que aquela família estava mergulhada. Contudo, sentia que ao fazer algo por Maria, já estaria a dar um contributo importante à humanidade. Às vezes temos que nos conformar de que não podemos mudar o mundo, mas em contrapartida temos sempre a hipótese de mudar, por um pouco que seja, a vida de alguém, costumava opinar muitas vezes o jovem rapaz no decorrer das longas tertúlias com os amigos. De volta à “Casa de bonecas” (nome com o qual Dona Carlota havia baptizado a sua loja na década de sessenta), Maria reencontrou na vida real o conforto que muitas vezes vivenciava nos seus sonhos. Tinha até já tomado uma decisão, muito adulta por sinal para uma criança de apenas sete anos: - Quando for grande, vou ser arquitecta! – Afirmou, com uma convicção fora do vulgar para uma menina tão pequena. – E vou desenhar muitas casas. Uma delas só para mim, muito grande, onde eu possa ter um quarto só para mim, uma casa de ba

Conto "Casa de Bonecas" - página 6

- Outra tentativa… “Na minha rua há….” - Há lá perto muitos prédios coloridos, assim aos quadradinhos cor-de-rosa, azuis, verdes e amarelos - disse, articulando as palavras tão depressa com a boca como com os gestos das mãos. Com esta deixa fez-se luz na cabeça de Pedro. A casa da menina ficaria certamente próximo de um bairro social que havia ali perto. Decidido a confirmar a sua pista, Pedro convidou Maria a acompanhá-lo até à rua. Iria acompanhá-la a pé, até se certificar que a deixaria devidamente entregue à família. Antes de sair, Maria quis dar um beijo a Dona Carlota e dizer-lhe obrigada. Sentia que aquela velhota a tinha vindo salvar da sua pobre e triste existência. De facto, não estava muito longe da realidade. Só ainda não o sabia. - Vamos combinar uma coisa - sugeriu Dona Carlota - a partir de amanhã eu vou buscar-te à porta da escola e depois vens para aqui comigo um bocadinho, tomas um lanche e fazes os trabalhos, antes de voltares para cada, pode ser? - A sério? Yupi! –

Conto "Casa de Bonecas" - página 5

A hora que demorou aquele lanche tardio serviu para Pedro colocar a avó ao corrente do que se passava com Maria. Dona Carlota ficou muito sensibilizada ao saber que a menina era muito pobre e que vivia em condições miseráveis apenas com a mãe e mais quatro irmãos. Apercebeu-se de que era uma criança carente, talvez pelo facto de a mãe estar mais preocupada em arranjar dinheiro para sustentar os filhos do que em confortá-los com gestos de carinho. A falta de dinheiro bloqueia-nos sempre a vontade de demonstrar amor, pensou só para si a velhota. Dona Carlota havia reparado também que a menina, apesar de ser muito bonita, se apresentava com o cabelo muito oleoso e as roupas demasiado roçadas. Por isso, antes de resolver a questão de a devolver à mãe, decidiu que ela sairia de sua casa com outro aspecto. Encheu a sua velha banheira com água quente e deixou a menina chapinhar nela durante uns minutos, enquanto lhe esfregava energicamente a longa melena encaracolada e cada dobra do corpo, de

Conto "Casa de Bonecas" - página 4

Às primeiras notas da melodia, Maria estava oficialmente encantada. Era como se estivesse ali apenas fisicamente. O seu espírito vagueava galopando livremente sobre um mundo com o qual sempre sonhara. Um mundo onde tudo é belo, onde todas as pessoas são bondosas e onde as crianças podem comer gomas ao pequeno-almoço sem reprimendas maternais. A imaginação de Maria viajava agora a bordo de uma espiral giratória multicolorida que a transportava para uma outra dimensão. - Ouviste o que eu te disse, Maria? – Perguntou Dona Carlota, interrompendo o sonho diurno da menina. Por instantes, a senhora temeu pela integridade da caixinha, tal era a forma como as mãos de Maria se evidenciavam trémulas. Um mero reflexo do turbilhão de emoções das últimas horas. - Oh, que linda caixinha! Eu sempre sonhei ter uma destas! – Exclamou Maria, antes de libertar um sonante e profundo suspiro. - Pois bem, Maria, como Deus nunca me deu filhas nem netas, vou propor-te um acordo: Um dia, quando a minha vida che

Conto "Casa de Bonecas" - página 3

- Olá princezinha! Então chamas-te Maria. E quantos anos tens, minha querida? – Perguntou Dona Carlota, tentando meter conversa da forma mais natural possível. - Tenho sete, quase oito. Faço anos no mês que vem – tratou de esclarecer a menina com prontidão. - Uhmmm! Então já sabes ler e escrever, certo? - Continuou a avó. - Claro! E até sou uma das melhores alunas da minha sala – disse Maria com visível orgulho. Deixando-se levar pela magia daquele inesperado encontro com uma criança de tenra idade, a avó decidiu não fazer perguntas difíceis ao neto em frente da menina. Guardou-as para mais tarde, quando estivessem os dois a sós. E prosseguiu a conversa apressando-se a fazer as honras à casa. Era sempre com grande emoção que revelava os cantos e recantos da sua loja encantada, partilhando histórias que por ali se passaram ao longo de mais de cinquenta anos. Energicamente, apesar dos seus oitenta e muitos anos, foi fazendo disparar interruptores à sua passagem. Maria caminhava, pé ante

Conto "Casa de Bonecas" - página 2

- Sim, Maria, acho que posso ajudar – respondeu Pedro, ainda sem saber como. Recorrer às autoridades seria a ideia mais simples e óbvia. Mas Pedro temia que a criança ficasse ainda mais assustada ao aperceber-se da gravidade da situação. E foi de repente que se lembrou: - Tu disseste que procuravas uma casa de brinquedos? - Sim! – Assentiu Maria, já com outro entusiasmo na voz. - Pois olha, lembrei-me agora, sabes que a minha avó é dona de uma loja de brinquedos há já muitos anos? - A sério? – Exclamou Maria incrédula, em jeito de interrogação. - Sim, é verdade! É uma loja um bocado velha, cheia de brinquedos antigos, uns novos e outros usados que as pessoas vão lá vender quando já não os querem. Gostavas de ir comigo lá à loja e conhecer a minha avó? – Perguntou Pedro, sabendo de antemão qual seria a resposta. - Sim! Claro que quero! – Gritou Maria, com os olhos a cintilar. Por momentos, o medo cedeu lugar ao entusiasmo e fez esquecer tudo o resto. - Então vamos – disse Pedro, acompan

Conto "Casa de Bonecas" - página 1

Maria andava há horas sem saber onde estava. Caminhava cheia de fome, de frio e de medo quando foi abordada por um homem que se atravessou no caminho. - Olá, como te chamas? - Perguntou Pedro, tentando meter conversa com a menina de ar amedrontado que aparentava ter não mais que sete ou oito anos. - Eu sou a Maria, mas a minha mãe disse-me para não falar com estranhos - respondeu hesitante, colocando um ar muito sério. - A tua mãe tem toda a razão, Maria. Mas onde é que ela está? - Insistiu Pedro. - Deve estar em casa a fazer o jantar. Já é de noite e quando começa a ficar escuro ela vai para a cozinha fazer a sopa - esclareceu Maria. Perante uma resposta que não justificava o facto de uma criança tão pequena vaguear sozinha pelas perigosas ruas da cidade àquela hora, Pedro voltou a insistir: - Mas onde fica a tua casa, Maria? A pergunta despertou nela a fragilidade que vinha a disfarçar e que culminou num enorme pranto. - Eu não sei - disse soluçando, enquanto encobria o rosto com amb