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Mensagens

A mostrar mensagens de janeiro, 2014

Sabor a Lisboa

Lisboa tem milhares de pernas, sempre apressadas para ir a algum lugar. Se possível fosse silenciar outros ruídos, Lisboa seria um ecoar de passos ritmados em marcha, um exército de pés calçados, um aplauso de solas à calçada portuguesa. Lisboa tem olhos distraídos de pensamentos vagos em qualquer coisa por fazer. De todos os lados, a beleza da cidade acena e sorri. Só os turistas reparam e param para a contemplar. Os residentes ignoram o redor, sempre cabisbaixos, com a atenção virada para dentro, levando o desprezo de nariz de fora. Lisboa tem uma boca gulosa, de creme de nata e canela, de pastel quente acabado de trincar. O beijo lisboeta sabe a bica. E toda a cidade se move a cafeína. Os balcões já nem estranham o colar e descolar de corpos. Sai uma italiana! O pedido é curto e bebe-se num gole. Lisboa tem hálito quente, temperado a sal, salpicado a sol. É Belém em frente ao Tejo, o doce e o salgado a disputar, se a cidade é feita de nata ou se é um sonho feito de

Carta ao meu futuro amor

Escrevo-te deste instante chamado presente, esperando encontrar-te numa esquina de um futuro próximo. Poderás ser quem procuro, se souberes ler-me nas entrelinhas, sem demasiados pontos de interrogação. Serás tu capaz de envolver-me os sentimentos sem me prender as vontades? Ao menos, tenta. Deixa-me ir e voltar sem pressas, aguardando-me nessa ansiedade tranquila de coração apertado. Desejo um amor de ninho, não de gaiola. Consigo ver-nos juntos a construir conforto, cada um voando por si em busca de sustento feliz. Dois pássaros que somos, poderemos multiplicar-nos num bando, se quiseres.      Sabes, muitas vezes fecho-me a sós com os meus pensamentos, não leves a mal. Poderás juntar-te a nós, sempre que eu deixar a porta aberta. Se aprendermos a adivinhar os silêncios um do outro, saberemos tudo o que mais importa.   Há uma coisa que terás de me prometer: que os teus olhos serão capazes de me ampliar outras qualidades, quando a beleza me fugir. Deixa lá, não prometas

Menino de ouro

Cristiano Ronaldo: o melhor futebolista do mundo e o primeiro português a ganhar duas bolas de ouro (2008, 2013) Gostava de um dia sentir o que sentiu hoje dona Dolores.  O seu filho, um ser do seu corpo nascido, é o melhor do mundo naquilo que faz. Haverá maior orgulho para uma mãe? Todas desejam o melhor para os seus meninos. A maioria são mães de filhos que tentam, que se esforçam, que quase conseguem. Mas dona Dolores é mãe de um sonho a quem um dia chamou Ronaldo, em homenagem ao presidente americano. O menino de dona Dolores cresceu. Cinco anos de luta fizeram dele um homem. Após a primeira bola de ouro, Cristiano Ronaldo julgou-se capaz de tocar o céu. Aos vinte e poucos anos estava nas nuvens e pensava que estalar um dedo bastava para subir mais alto. São as lições que nos dão a maturidade. E as lágrimas de hoje foram as de um homem que aprendeu a lição. Ser o melhor, não é ser o maior, é apenas ser o mais completo. Ronaldo sabe hoje que assim é, mas aprendeu-o a custo: o

Voa, pantera negra

Eusébio da Silva Ferreira, 1942-2014 Hoje apetece-me dizer que a morte pode ser muito bonita quando celebrada com glória. Num atípico dia de reis, Portugal permitiu-se vestir um luto encarnado pelo seu “pantera negra”. O Eusébio era nosso, um pedaço de país em corpo de homem, um nome que sozinho nos abria fronteiras. Lembro-me de ser miúda e ouvir dizer: no dia em que o Eusébio morrer, vai ser feriado nacional. Esse dia chegou e o país, a meia-haste, de facto parou. Nasci demasiado tarde para o ver jogar ao vivo, mas cedo me apercebi que o Eusébio era alguém a respeitar. Mas ele só jogava à bola, não sabia fazer mais nada, era quase analfabeto, porquê ser tão importante? Durante anos não percebi. Parecia-me excessiva tamanha veneração por um mero jogador de futebol. Hoje, ao ver as arrepiantes imagens de um estádio a aplaudir de pé um caixão, ao ver as ruas da capital vestidas de cachecóis de todas as cores a bater palmas à passagem de um carro funerário, ao ver estátuas c

Índice médio de felicidade

"Índice médio de felicidade", David Machado, 2013 “Numa escala de zero a dez, quão satisfeito se sente com a vida no seu todo?”. É em torno desta questão que gira toda a história narrada por Daniel, o protagonista deste que é o mais recente livro de David Machado. O personagem - que vê a sua vida colapsar, após perder o emprego, a casa e, consequentemente, a mulher e os filhos, que se  vêem  forçados a ir viver para longe por força das circunstâncias – trava uma luta incansável pela não resignação e resgate de toda e qualquer esperança. O que nos resta quando perdemos os pilares da nossa existência? Será possível perder-se tudo o que se julga indispensável e ainda assim ser-se feliz? Esta é uma obra que nos cativa e seduz pela franqueza nua da realidade exposta e nos vai fazendo levantar questões muito pertinentes sobre a nossa própria vida. É impossível fechar este livro sem sentir admiração pela determinação de Daniel, um personagem inspirador do qual nos lembraremos c