Lá fora, o vento uiva desenfreado. Numa ira de força transparente, empurra sem piedade tudo o que se atravessa no caminho. As árvores vergam-se à sua passagem, como se numa vénia lhe concedessem obediência. O pó, feito de terra, de areia, de vestígios de erosão, passeia-se num voo que atravessa o próprio ar em ziguezagues, por vezes interrompidos por uma pausa repousada num canto qualquer. As nuvens também parecem zangadas, ficam cinzentas de raiva por não poderem repousar em paz. Nem no céu parece haver descanso. Indeciso, sem saber como se comportar, o Sol esconde-se envergonhado. Vai espreitando, introvertido, deixando escapar tímidos raios de luz por entre a espessura branda das nuvens. Os corpos que já pedem praia guardam-se em casa em lamentos resignados. Os rostos, como um espelho, reflectem a cor do dia. Semblantes cinzentos cruzam-se nas ruas, cabisbaixos. A chuva, que tanta falta faz, avança e recua hesitante, enviada a conta-gotas pela mãe natureza. Está tanto vento, mas não corre uma brisa de esperança. É aos salpicos que os homens que se arrastam vão sendo atingidos pela desgraça que parece cair do céu aos punhados. Há milhares de sonhos a esvair-se, arrastados pela chuva, empurrados pelo vento. E no meio deles, deslizam ao sabor da maré náufragos felizes. Ainda há quem consiga sorrir, ainda há quem consiga transportar uma boa notícia, quem consiga carregar no ventre uma nova vida, uma promessa de um futuro possível. A vida e a morte, o começo e o fim, as duas pontas da corda, uma sempre pronta a ser agarrada, a outra sempre prestes a ser largada, num ciclo que se repete desde ontem, hoje, amanhã e sempre, até sempre. É bonito que alguém um dia se tenha lembrado de nos fazer acreditar que a morte é um homem loiro, chamado Joe Black, que um dia nos virá buscar pela mão em clima de festa quando chegar a nossa hora. “Conhece Joe Black?”. Mais tarde ou mais cedo, todos o iremos conhecer. E que perfeito seria se, nesse preciso momento, houvesse fogo de artifício e a música de despedida fosse a banda sonora desse arrepiante filme.
Dizem-me frequentemente que ainda tenho cara de menina, que ainda sou nova, que ainda tenho a vida à minha frente. Contudo, face à cronologia, é-me inevitável constatar que mais de metade do tempo que me foi concedido já passou. O que me resta já será provavelmente menos. Se isso me inquieta? Não em termos de medo, mais em termos de pressa. Já não é pressa de viver mas de realizar, de me realizar. Apesar de já ter plantado árvores, tido filhos e publicado livros, sinto-me ainda distante da potencialidade plena do meu propósito existencial. O que me falta realizar então? Talvez plantar mais árvores e escrever mais livros, já que a possibilidade de gerar filhos tem prazo de validade e a energia vital para os cuidar vai esmorecendo. Tudo o que me falta fazer parece-me tanto para o tempo que imagino à minha frente. Não cabem tantos livros e filmes e viagens e experiências nas décadas que imagino ainda poder viver. O meu maior conflito interior neste momento é já não ser nova para tanta coi...

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