Que não
vá ver “Os Maias” de João Botelho quem não tenha lido o romance de Eça de
Queirós ou procure mero entretenimento. O filme mais visto nas salas de cinema
portuguesas em 2014 está longe de ser um produto massificado de consumo fácil e
rápido. É preciso ser-se capaz de compreender a essência do cinema para gostar-se
desta adaptação cinematográfica. Um começo a preto e branco faz-nos recuar no
tempo aos primórdios da sétima arte. Depois, a complexidade e a entoação
teatral do texto só poderá ser apreciada pelo espectador mais sensível ao
lirismo que caracteriza a obra de Eça de Queirós. Outra surpresa são os
cenários. Feitos de enormes telões artisticamente pintados ilustram na
perfeição cada local de passagem, numa alusão lírica, como se cada cena fosse um
acto de ópera. A destacar, a beleza dos protagonistas. Graciano Dias é um
Carlos da Maia capaz de encantar qualquer Maria Eduarda deste mundo e Maria
Flor parece, toda ela, revestir-se de doçura com o seu sotaque brasileiro. O
amor incestuoso entre os dois irmãos é uma cena da vida romântica que se
consuma apesar da impossibilidade. Talvez a maior mensagem da obra “Os Maias”
seja a revelação de um Portugal que pouco ou nada evoluiu em 125 anos. Para
mim, narrativas como esta, onde histórias de amor desalinhadas marcam destinos,
levantam-me a questão: que enredos haveria por desvelar, se todas as vidas
seguissem o caminho das linhas rectas, das escolhas certas, da rejeição
imediata das decisões mal calculadas? Palmas a João Botelho pela coragem da
realização ambiciosa, sem recursos luxuosos. Parabéns a Pedro Inês, o actor
cujo papel secundário acaba por parecer principal no seu brilhante desempenho
como o fiel amigo João da Ega.
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