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Repousa em mim

De repente, pareceste-me tão pequeno. Era como se tivesses encolhido e voltado a ser criança. Ali, aninhado no meu colo, com o peso dos problemas suspenso no meu regaço, ressonavas baixinho, inspirando tranquilidade. Nunca tínhamos estado tão perto do amor. Eu podia tocá-lo ao de leve com a ponta dos dedos. Desenhava-lhe todas as formas, contornando-as. Queria fixá-lo para sempre na forma dos teus lábios, no desalinho das tuas sobrancelhas, na suavidade tenra das tuas orelhas adormecidas. De quando em vez, vergava a minha boca ao encontro da tua testa, fazendo um beijo tocar-lhe como uma pena. Respirava-te e suspirava, na certeza do fim iminente daquela paz tão confortável, tão difícil de manter. Dorme um sono grande, meu menino. Em mim, sem pressa e sem medo, poderás sempre repousar.

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Reportagem # 32

Jornal "Dica da Semana", edição regional Algarve, 29 de Janeiro de 2015

FRIDAY EATS

A refeição que pedala a rua à minha frente vai saciar o cansaço de alguém que trocou horas de fome por uns tostões. A energia que sobra é a da ponta dos dedos. Três toques no ecrã e o jantar está pronto. A marmita verde atravessa a cidade, pela força estoica do homem que não fala português. Também não precisa. Basta tocar à campainha e dizer a palavra mágica de significado universal. Num silêncio solene, digno de um requintado mordomo, abre o saco térmico e serve o jantar. O pobre senhor que ganha uns tostões, hoje sente-se um rei. Espreguiçado no sofá, a lambuzar-se num menu cancerígeno qualquer, reencontra um espasmo de felicidade. Ah, como é boa a sexta-feira! Mham 

VERSÃO 4.5

Dizem-me frequentemente que ainda tenho cara de menina, que ainda sou nova, que ainda tenho a vida à minha frente. Contudo, face à cronologia, é-me inevitável constatar que mais de metade do tempo que me foi concedido já passou. O que me resta já será provavelmente menos. Se isso me inquieta? Não em termos de medo, mais em termos de pressa. Já não é pressa de viver mas de realizar, de me realizar. Apesar de já ter plantado árvores, tido filhos e publicado livros, sinto-me ainda distante da potencialidade plena do meu propósito existencial. O que me falta realizar então? Talvez plantar mais árvores e escrever mais livros, já que a possibilidade de gerar filhos tem prazo de validade e a energia vital para os cuidar vai esmorecendo. Tudo o que me falta fazer parece-me tanto para o tempo que imagino à minha frente. Não cabem tantos livros e filmes e viagens e experiências nas décadas que imagino ainda poder viver. O meu maior conflito interior neste momento é já não ser nova para tanta coi...