Há horas em que sofro de silêncio
agudo. Num acto de egoísmo, engulo as palavras e guardo-as só para mim.
Retenho-as, não sei se na garganta ou na cabeça, apenas porque são palavras
feias que não quero partilhar. Se tivesse alma de génio, como o poeta,
escreveria sempre Sol. Mas, entretanto, chegou o Inverno gritando trovões e há
todo um inferno que se apodera de mim, usurpando a minha colecção de vocábulos
felizes. Quando não escrevo, jogo às escondidas com o pensamento e bebo silêncio
em goles nocturnos de chá, aquecida pelas palavras de um livro.
Dizem-me frequentemente que ainda tenho cara de menina, que ainda sou nova, que ainda tenho a vida à minha frente. Contudo, face à cronologia, é-me inevitável constatar que mais de metade do tempo que me foi concedido já passou. O que me resta já será provavelmente menos. Se isso me inquieta? Não em termos de medo, mais em termos de pressa. Já não é pressa de viver mas de realizar, de me realizar. Apesar de já ter plantado árvores, tido filhos e publicado livros, sinto-me ainda distante da potencialidade plena do meu propósito existencial. O que me falta realizar então? Talvez plantar mais árvores e escrever mais livros, já que a possibilidade de gerar filhos tem prazo de validade e a energia vital para os cuidar vai esmorecendo. Tudo o que me falta fazer parece-me tanto para o tempo que imagino à minha frente. Não cabem tantos livros e filmes e viagens e experiências nas décadas que imagino ainda poder viver. O meu maior conflito interior neste momento é já não ser nova para tanta coi...

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