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A mais triste noite feliz

Um feliz Natal a todos os que não têm o que eu tenho. Começo por desejar um Natal feliz aos doentes, porque nada nos faz mais falta que a saúde, o único bem que, a par com o amor, não há dinheiro que compre. Depois, desejo um feliz Natal aos que não têm um teto, nem cama, nem sequer uma almofada onde repousar os problemas. Prossigo desejando um Natal Feliz aos que a fome faz doer o estômago e o coração. Um feliz Natal aos órfãos e aos viúvos, porque não há tristeza maior à ceia que o vazio dos lugares insubstituíveis. Um Natal feliz aos padres e a todos os outros para quem o celibato não foi uma escolha livre mas um destino. Um feliz Natal a todos os que o trabalho rouba ao conforto da família na noite mais sagrada do ano. Um Natal feliz aos que vão nascer e àqueles para quem este será o último Natal. Um feliz Natal para todos os que sentem esta noite feliz, por carência ou solidão, a noite mais triste de todas. 

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Reportagem # 32

Jornal "Dica da Semana", edição regional Algarve, 29 de Janeiro de 2015

FRIDAY EATS

A refeição que pedala a rua à minha frente vai saciar o cansaço de alguém que trocou horas de fome por uns tostões. A energia que sobra é a da ponta dos dedos. Três toques no ecrã e o jantar está pronto. A marmita verde atravessa a cidade, pela força estoica do homem que não fala português. Também não precisa. Basta tocar à campainha e dizer a palavra mágica de significado universal. Num silêncio solene, digno de um requintado mordomo, abre o saco térmico e serve o jantar. O pobre senhor que ganha uns tostões, hoje sente-se um rei. Espreguiçado no sofá, a lambuzar-se num menu cancerígeno qualquer, reencontra um espasmo de felicidade. Ah, como é boa a sexta-feira! Mham 

PERTENÇA VIRTUAL

Apaixonaram-se ao primeiro clique.  No início, tudo tinha a leveza eufórica da novidade. Tudo tinha o ingénuo encanto do desconhecido. Enquanto deslindavam os detalhes virtuosos da vida privada um do outro, em mensagens infinitas, contemplavam-se teclando, trocando imagens e palavras e emojis. Foram dias áureos de expectativa crescente. Quando será o nosso encontro real? A magia começava a desvanecer-se ao surgir a questão. Alguém não deseja abdicar do perfeccionismo platónico. Camuflados na virtualidade somos todos muito bons. Para quê sair do casulo para dar a conhecer o pior de nós? O melhor é encerrar o assunto enquanto ainda paira a beleza inicial. Um vai-se esfumando e saí de mansinho. As respostas chegam cada vez mais demoradas até não chegarem mais. Encontros românticos são para gente corajosa na vida real. O que aconteceu aqui foi só uma ilusão. A ludibriosa crença de ser possível uma pertença virtual.  (Publicado na revista ESPÚRIA, outubro 2023)