A infância acena-me ao longe. Convida-me para brincar. Deve ter saudades minhas. E eu dela morro de saudades quando na almofada fecho os olhos. Tenho saudades de ser criança porque os meus pais eram jovens e a morte um assunto distante. Era aquele tempo no qual o tempo existia mesmo. Todas as tardes eram livres e todos os lanches leite com chocolate. Nesse tempo não me lembro de implorar abraços e o consolo chegava sempre antes das lágrimas. As únicas decisões eram escolher entre brincar à apanhada ou às escondidas. Desconhecia a matemática e era tão feliz com isso. Nem contas de somar, nem de sumir, quanto mais impostos e faturas por pagar. Os dias eram de uma leveza flutuante. Bastava deixarmo-nos levar pela corrente, a brincar ao homem morto, com a certeza de sermos salvos pelos braços do amor. Nenhum peso, nenhuma dúvida, nada pendente por resolver. Apenas a Primavera da vida, na sua harmonia amena e florida, a chilrear alegria dentro de nós.
Dizem-me frequentemente que ainda tenho cara de menina, que ainda sou nova, que ainda tenho a vida à minha frente. Contudo, face à cronologia, é-me inevitável constatar que mais de metade do tempo que me foi concedido já passou. O que me resta já será provavelmente menos. Se isso me inquieta? Não em termos de medo, mais em termos de pressa. Já não é pressa de viver mas de realizar, de me realizar. Apesar de já ter plantado árvores, tido filhos e publicado livros, sinto-me ainda distante da potencialidade plena do meu propósito existencial. O que me falta realizar então? Talvez plantar mais árvores e escrever mais livros, já que a possibilidade de gerar filhos tem prazo de validade e a energia vital para os cuidar vai esmorecendo. Tudo o que me falta fazer parece-me tanto para o tempo que imagino à minha frente. Não cabem tantos livros e filmes e viagens e experiências nas décadas que imagino ainda poder viver. O meu maior conflito interior neste momento é já não ser nova para tanta coi...
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