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CRÓNICAS DA PANDEMIA - VII

Já nos habituámos a isto mas não queremos viver assim para sempre. Se era só um castigo para que nos portemos melhor, de agora em diante, já pode acabar, que nós prometemos cumprir. Ó vida, volta que estás perdoada e devolve-me os amigos e todos os abraços, as missas e as procissões, os jantares-convívio e as festas de aniversário, as reuniões de grupo e os festivais de música, do marisco, da sardinha, do caracol, da cerveja, do Pontal, ou whatever... Traz-me de volta o trabalho, a sério, que isto de brincar às empresas sem clientes à procura daquilo que temos para lhes vender é um tédio. De onde é que nasce o dinheiro? Boa! Com tanta reinvenção, vai na volta, é desta que vamos todos plantar árvores das patacas... Será que os chineses já inventaram isso? Vá lá, todo o veneno tem um antídoto. Quem se lembrou de magicar este vírus está de parabéns. Que ideia brilhante, resultou! Mas agora já chega de brincadeira que nós queremos viver. Libertem lá a porra da vacina que o pessoal está deserto para voltar a viajar e cumprimentar-se calorosamente nas ruas como manda a tradição.

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Reportagem # 32

Jornal "Dica da Semana", edição regional Algarve, 29 de Janeiro de 2015

FRIDAY EATS

A refeição que pedala a rua à minha frente vai saciar o cansaço de alguém que trocou horas de fome por uns tostões. A energia que sobra é a da ponta dos dedos. Três toques no ecrã e o jantar está pronto. A marmita verde atravessa a cidade, pela força estoica do homem que não fala português. Também não precisa. Basta tocar à campainha e dizer a palavra mágica de significado universal. Num silêncio solene, digno de um requintado mordomo, abre o saco térmico e serve o jantar. O pobre senhor que ganha uns tostões, hoje sente-se um rei. Espreguiçado no sofá, a lambuzar-se num menu cancerígeno qualquer, reencontra um espasmo de felicidade. Ah, como é boa a sexta-feira! Mham 

PERTENÇA VIRTUAL

Apaixonaram-se ao primeiro clique.  No início, tudo tinha a leveza eufórica da novidade. Tudo tinha o ingénuo encanto do desconhecido. Enquanto deslindavam os detalhes virtuosos da vida privada um do outro, em mensagens infinitas, contemplavam-se teclando, trocando imagens e palavras e emojis. Foram dias áureos de expectativa crescente. Quando será o nosso encontro real? A magia começava a desvanecer-se ao surgir a questão. Alguém não deseja abdicar do perfeccionismo platónico. Camuflados na virtualidade somos todos muito bons. Para quê sair do casulo para dar a conhecer o pior de nós? O melhor é encerrar o assunto enquanto ainda paira a beleza inicial. Um vai-se esfumando e saí de mansinho. As respostas chegam cada vez mais demoradas até não chegarem mais. Encontros românticos são para gente corajosa na vida real. O que aconteceu aqui foi só uma ilusão. A ludibriosa crença de ser possível uma pertença virtual.  (Publicado na revista ESPÚRIA, outubro 2023)