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O ano da máscara


Desejo libertar-me deste ano atípico, com o alívio com que descarto cada máscara para o lixo. Um ano perdido que nos fez reféns de um vírus, onde é que já se viu? Não basta a vida ser curta para realizarmos tantos sonhos? O futuro adiado aniquilou-nos o ânimo. As oportunidades perdidas roubaram-nos o alento. Mas a esperança é uma chama que não se apaga de um sopro. Continua a arder-nos cá dentro, ainda que tudo em redor seja pedra e gelo. O ambiente é inóspito, a estrada que se vislumbra para chegar a algum lugar é longa demais, as forças soçobram, mas a ideia de recomeço acalenta-nos sempre com um bafo de novas possibilidades. Havemos de bater às portas desejosas por se abrir e conhecer as pessoas certas que nos ajudem a cumprir propósitos. Havemos de ser capazes de concretizar aquele projeto há tanto adiado apenas por preguiça. Havemos de aprender a transformar as fraquezas em forças e as ameaças em oportunidades, jogando a nosso favor o marketing da vida. Havemos de ser criativos e superar, de forma inteligente, tantas derrotas temporárias, para sairmos vencedores desta guerra invisível que nos tem destruído por dentro. Havemos de ser capazes de só pronunciar palavras de bem e de nos reconciliarmos, primeiro connosco, depois com todos os que nos tenham ofendido. Havemos de ser abrigos da paz em tempos de revolução, para que o caos exterior não tenha espaço para habitar em nós. Havemos de ser oportunidade, sabedoria, realização e prosperidade em 2021, rasgando 2020 aos calendários como se nunca tivesse existido. Apaguemos da memória “o ano da máscara”, como quem esquece um pesadelo ao acordar, e despertemos para o novo ano com uma renascida energia de viver. Afinal, sobrevivemos, e podemos sempre recomeçar. 

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Reportagem # 32

Jornal "Dica da Semana", edição regional Algarve, 29 de Janeiro de 2015

FRIDAY EATS

A refeição que pedala a rua à minha frente vai saciar o cansaço de alguém que trocou horas de fome por uns tostões. A energia que sobra é a da ponta dos dedos. Três toques no ecrã e o jantar está pronto. A marmita verde atravessa a cidade, pela força estoica do homem que não fala português. Também não precisa. Basta tocar à campainha e dizer a palavra mágica de significado universal. Num silêncio solene, digno de um requintado mordomo, abre o saco térmico e serve o jantar. O pobre senhor que ganha uns tostões, hoje sente-se um rei. Espreguiçado no sofá, a lambuzar-se num menu cancerígeno qualquer, reencontra um espasmo de felicidade. Ah, como é boa a sexta-feira! Mham 

PERTENÇA VIRTUAL

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