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ANO APÓS ANO


Por mais que tentemos, que arrisquemos, que nos esforcemos com intensidade, ano após ano, há sonhos que insistem em não se realizar. Neste dia, repetidamente, ano após ano, é tempo balanços. Como numa empresa, apuramos o saldo final. O que ganhei? O que perdi? Onde falhei? O que aprendi? O que fazer para melhorar na saúde, no amor, na prosperidade? Quantas vezes terei mais de falhar até conseguir realizar-me? Este dia, que levanta todas as dúvidas que nos cobrem a existência, não nos oferece respostas. Apenas promessas vãs de esperança em dias melhores que estão sempre por vir, mesmo que nunca cheguem. O dia 31 de dezembro é um lugar utópico, algures entre o céu e o inferno, onde livremente nos é permitido sonhar. É dia de despejar lixos, arrumar gavetas, fechar portas, abrir janelas. É hora de dar a mão aos que queremos transportar connosco para o novo ano e de deixar partir os que já não têm espaço para habitar em nós.  É também tempo de gratidão. De louvar cada experiência, cada pessoa que nos cruzou o caminho, até mesmo as que nos fizeram crescer por intermédio da dor. Que a viragem do calendário seja mais que um mero mudar de página, trazendo resoluções efetivas a tudo o que nos aflige. Que novos tempos nos revelem novos horizontes, permitindo-nos voltar a planear e sonhar sem limites.

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Reportagem # 32

Jornal "Dica da Semana", edição regional Algarve, 29 de Janeiro de 2015

FRIDAY EATS

A refeição que pedala a rua à minha frente vai saciar o cansaço de alguém que trocou horas de fome por uns tostões. A energia que sobra é a da ponta dos dedos. Três toques no ecrã e o jantar está pronto. A marmita verde atravessa a cidade, pela força estoica do homem que não fala português. Também não precisa. Basta tocar à campainha e dizer a palavra mágica de significado universal. Num silêncio solene, digno de um requintado mordomo, abre o saco térmico e serve o jantar. O pobre senhor que ganha uns tostões, hoje sente-se um rei. Espreguiçado no sofá, a lambuzar-se num menu cancerígeno qualquer, reencontra um espasmo de felicidade. Ah, como é boa a sexta-feira! Mham 

PERTENÇA VIRTUAL

Apaixonaram-se ao primeiro clique.  No início, tudo tinha a leveza eufórica da novidade. Tudo tinha o ingénuo encanto do desconhecido. Enquanto deslindavam os detalhes virtuosos da vida privada um do outro, em mensagens infinitas, contemplavam-se teclando, trocando imagens e palavras e emojis. Foram dias áureos de expectativa crescente. Quando será o nosso encontro real? A magia começava a desvanecer-se ao surgir a questão. Alguém não deseja abdicar do perfeccionismo platónico. Camuflados na virtualidade somos todos muito bons. Para quê sair do casulo para dar a conhecer o pior de nós? O melhor é encerrar o assunto enquanto ainda paira a beleza inicial. Um vai-se esfumando e saí de mansinho. As respostas chegam cada vez mais demoradas até não chegarem mais. Encontros românticos são para gente corajosa na vida real. O que aconteceu aqui foi só uma ilusão. A ludibriosa crença de ser possível uma pertença virtual.  (Publicado na revista ESPÚRIA, outubro 2023)