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ANO APÓS ANO


Por mais que tentemos, que arrisquemos, que nos esforcemos com intensidade, ano após ano, há sonhos que insistem em não se realizar. Neste dia, repetidamente, ano após ano, é tempo balanços. Como numa empresa, apuramos o saldo final. O que ganhei? O que perdi? Onde falhei? O que aprendi? O que fazer para melhorar na saúde, no amor, na prosperidade? Quantas vezes terei mais de falhar até conseguir realizar-me? Este dia, que levanta todas as dúvidas que nos cobrem a existência, não nos oferece respostas. Apenas promessas vãs de esperança em dias melhores que estão sempre por vir, mesmo que nunca cheguem. O dia 31 de dezembro é um lugar utópico, algures entre o céu e o inferno, onde livremente nos é permitido sonhar. É dia de despejar lixos, arrumar gavetas, fechar portas, abrir janelas. É hora de dar a mão aos que queremos transportar connosco para o novo ano e de deixar partir os que já não têm espaço para habitar em nós.  É também tempo de gratidão. De louvar cada experiência, cada pessoa que nos cruzou o caminho, até mesmo as que nos fizeram crescer por intermédio da dor. Que a viragem do calendário seja mais que um mero mudar de página, trazendo resoluções efetivas a tudo o que nos aflige. Que novos tempos nos revelem novos horizontes, permitindo-nos voltar a planear e sonhar sem limites.

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