No outro dia, perdi as lentes cor de rosa e assumi uma miopia seletiva que me protege do pânico dos obstáculos em contramão. São tantos os interesses que circulam em todas as vias, prontos a colidir com os meus, que raramente consigo abertura para me encaixar. É preciso aguardar em infinitas filas de espera pelo nosso lugar para estacionar na vida. Às vezes, circundamos pessoas e lugares errados por anos. Outras vezes, o trânsito flui até ao ponto de encontro destinado, onde o estacionamento está reservado para nós. Somos veículos humanos em busca de estacionar na vida. Quem ganha a corrida é a sabedoria paciente de todos aqueles que aproveitam os atalhos e becos mais perversos para sorrir.
Dizem-me frequentemente que ainda tenho cara de menina, que ainda sou nova, que ainda tenho a vida à minha frente. Contudo, face à cronologia, é-me inevitável constatar que mais de metade do tempo que me foi concedido já passou. O que me resta já será provavelmente menos. Se isso me inquieta? Não em termos de medo, mais em termos de pressa. Já não é pressa de viver mas de realizar, de me realizar. Apesar de já ter plantado árvores, tido filhos e publicado livros, sinto-me ainda distante da potencialidade plena do meu propósito existencial. O que me falta realizar então? Talvez plantar mais árvores e escrever mais livros, já que a possibilidade de gerar filhos tem prazo de validade e a energia vital para os cuidar vai esmorecendo. Tudo o que me falta fazer parece-me tanto para o tempo que imagino à minha frente. Não cabem tantos livros e filmes e viagens e experiências nas décadas que imagino ainda poder viver. O meu maior conflito interior neste momento é já não ser nova para tanta coi...
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