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Uma praia de pedras rolantes

Cinco da tarde de um dia ameno de final de Agosto. No regresso ao hotel, após um dia de longos passeios pela cidade do Fuchal, improviso um novo percurso. Desemboco numa ruela que me conduz ao mar. Encostada ao corrimão cimeiro onde acaba a rua e começa a praia, assisto deslumbrada a um espectáculo inédito e gratuito. Dezenas de crianças saltam e gritam, raiando felicidade enquanto chapinham à beira-mar. Um cenário perfeitamente normal, não fosse tratar-se de uma praia onde os pés, em vez de areia macia e dourada, pisam calhaus. Duras e frias pedras vulcânicas, de tom escuro, onde se sobrepõem toalhas e corpos molhados sobre elas, como se de um confortável colchão se tratasse. Ao ver a felicidade genuína daqueles meninos, ao deixar-me contagiar por ela, consigo confirmar que de facto a felicidade vive guardada, escondida até, dentro das mais pequenas coisas. Felizes dos ignorantes, sempre ouvi dizer… e tem o seu quê de verdade. Aquela praia, a única que conhecem e que alguma vez tiveram oportunidade de pisar, é e sempre será a melhor praia do mundo para aqueles meninos, até que um dia possam experimentar o conforto de uma praia de areia branca, amarela, dourada ou uma mistura de todos esses tons num só. De facto, nunca percebi muito bem de que cor é a areia da praia… Mas isso agora não interessa nada.

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Reportagem # 32

Jornal "Dica da Semana", edição regional Algarve, 29 de Janeiro de 2015

FRIDAY EATS

A refeição que pedala a rua à minha frente vai saciar o cansaço de alguém que trocou horas de fome por uns tostões. A energia que sobra é a da ponta dos dedos. Três toques no ecrã e o jantar está pronto. A marmita verde atravessa a cidade, pela força estoica do homem que não fala português. Também não precisa. Basta tocar à campainha e dizer a palavra mágica de significado universal. Num silêncio solene, digno de um requintado mordomo, abre o saco térmico e serve o jantar. O pobre senhor que ganha uns tostões, hoje sente-se um rei. Espreguiçado no sofá, a lambuzar-se num menu cancerígeno qualquer, reencontra um espasmo de felicidade. Ah, como é boa a sexta-feira! Mham 

PERTENÇA VIRTUAL

Apaixonaram-se ao primeiro clique.  No início, tudo tinha a leveza eufórica da novidade. Tudo tinha o ingénuo encanto do desconhecido. Enquanto deslindavam os detalhes virtuosos da vida privada um do outro, em mensagens infinitas, contemplavam-se teclando, trocando imagens e palavras e emojis. Foram dias áureos de expectativa crescente. Quando será o nosso encontro real? A magia começava a desvanecer-se ao surgir a questão. Alguém não deseja abdicar do perfeccionismo platónico. Camuflados na virtualidade somos todos muito bons. Para quê sair do casulo para dar a conhecer o pior de nós? O melhor é encerrar o assunto enquanto ainda paira a beleza inicial. Um vai-se esfumando e saí de mansinho. As respostas chegam cada vez mais demoradas até não chegarem mais. Encontros românticos são para gente corajosa na vida real. O que aconteceu aqui foi só uma ilusão. A ludibriosa crença de ser possível uma pertença virtual.  (Publicado na revista ESPÚRIA, outubro 2023)