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Dia de festa na ilha do tio Jardim

Contemplo deslumbrada a chuva de cores que cai do céu. O fogo de artifício ateado sobre a baía do Funchal é, muito provavelmente, um dos mais bonitos do Mundo Os foguetes são disparados de dentro de um batelão, que quase não se vê. Por instantes, chego a pensar que o espectáculo pirotécnico nasce do fundo do mar. É de facto um presente assistir ao famoso fogo de artifício da Madeira, mesmo não sendo noite de passagem de ano. É apenas o culminar de um dia de festa, um dia muito especial para o concelho do Funchal. Hoje, dia 21 de Agosto, celebra-se o dia do Município.
Descubro o programa de festas num prospecto que me chega às mãos dentro do hotel. Há muito para ver e ouvir antes que o dia se faça noite. Fixo-me num acontecimento que desperta em mim um misto de curiosidade e interesse: a cerimónia que reúne as figuras ilustres na praça do município. É lá que estará presente o grande líder madeirense. Hoje apetece-me apelidá-lo de tio Jardim. Ir à Madeira e não ver o tio Jardim é quase como ir a Roma e não ver o Papa. Porque será que insistimos em cultivar esta estranha perversão voyeurista, às vezes quase inconfessável, de querer ver de perto as figuras que apenas conhecemos da televisão? Não consigo encontrar resposta. Porém, continuo a querer assistir bem de perto ao que se vai passar a seguir. A fachada da Câmara Municipal está trajada a rigor, coberta por coloridos mantos. Há faixas azuis, amarelas e vermelhas, tal como o tecido típico dos trajes madeirenses. A banda filarmónica está geometricamente alinhada frente à sede da autarquia e ensaia poses e saudações nos intervalos das músicas. Pouco passa das onze e meia quando todos ficam em sentido. O aproximar repentino de veículos topo de gama anuncia a chegada daquele que todos querem ver. Os jornalistas – e respectivas câmaras fotográficas e de televisão - põem-se a jeito para registar o momento do melhor ângulo. E eis que sai do interior de um veículo de estofos em pele o nosso carismático tio Jardim. Sem perder tempo, circula junto aos populares, distribui beijos e apertos de mão e chega mesmo a saudar turistas estrangeiros com uma simpática frase de cortesia: “Hello! Welcome to Madeira”.
Aparte de toda esta temática, há uma questão idiota que não me sai da cabeça. “Mas por que raio se há-de chamar Jardim ao líder político da ilha das flores?”. Vou investigar. Um dia ainda hei-de ver esclarecida esta questão.

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