Na sala de espera, Diogo impacienta-se com a demora. É proibido fumar. Roer as unhas em público não é de bom-tom. Está sentado num sofá demasiado mole forrado a napa. Cruza e descruza as pernas, estala os dedos das mãos, respira fundo, vezes sem conta. E a porta do consultório continua fechada. Ao pensar na razão que o trouxe ali, um nervoso miudinho aloja-se no estômago e chega a pensar em desistir. Finta a porta de saída e está já a equacionar a fuga quando a recepcionista, após receber uma chamada telefónica, o chama:
- Sr. Diogo, vamos?
Ao levantar-se para o acompanhar até à porta do consultório, a recepcionista revela-se em toda a sua beleza: é alta, elegante e os seus cabelos longos e negros libertam, à sua passagem, um doce aroma floral. Dá dois toques na madeira com os nós dos dedos, antes de girar o puxador gentilmente. A porta abre-se deixando antever um homem de óculos semi-careca. Está sentado a uma secretária de estilo moderno e, sem desviar o olhar dos papéis onde está a anotar qualquer coisa, convida Diogo a entrar:
- Faça favor, sente-se, sente-se!
O médico só fixa Diogo pela primeira vez após ouvir a porta fechar-se num estalido seco. Vê um homem moreno, bem apessoado, na casa dos quarenta anos. A idade é denunciada pelos cabelos brancos, que ganham terreno de forma aleatória e selvagem um pouco por toda a farta cabeleira preta.
- Então Diogo, o que é que o traz por cá? – Pergunta o psicanalista, puxando o início da conversa.
De mãos cruzadas sobre a secretária e olhos fixos no médico, Diogo responde:
- Doutor, acho que estou com um problema. Quer dizer, não é bem um problema, é se calhar uma mania, melhor dizendo, talvez seja uma obsessão.
O médico permite dois segundos de silêncio, antes de levantar-se. Começa a caminhar e convida Diogo a deitar-se no divã, explicando que lá sentir-se-á mais confortável para desabafar. É um divã preto em pele, de design moderno e linhas sinuosas. Após aceder ao convite, Diogo sente-se, de facto, mais relaxado naquela posição. Fixando o olhar na imensa estante de livros, que atravessa de um extremo ao outro a parede em frente, consegue finalmente soltar a língua.
- Quero lembrar-me de como era a minha vida antes… antes de aparecer o “e” azul. Sim, o “e” e agora o “f”…
Diogo fala em código e o médico, apesar de não entender patavina do discurso, permanece em silêncio, receptivo para continuar a ouvir.
- É pior que o fumo e o álcool juntos. Nem sei como fiquei viciado nisto. A gente vai experimentando e gostando. Volta no dia seguinte e fica mais um pouco. E vamos deixando as horas passar e deixamos o sono passar e deixamos a vida passar e não largamos o vício.
Parado diante da janela, o médico vai ouvindo e analisando o discurso, apesar de achar que continua a não fazer qualquer sentido.
- Deito-me com a cabeça cheia de imagens, de frases, de citações, de notícias, de coscuvilhices. Todos os dias fico a saber muito mais do que devia sobre a vida de muita gente. Partilho retalhos da minha vida ao segundo como se ao não fazê-lo deixasse de existir. Não é deliberado, mas quero que reparem em mim. Gosto de poder dizer às pessoas que me seguem onde é que estou, para onde vou, o que ando a fazer. Gosto que comentem, gosto de saber a opinião que elas têm sobre a minha pessoa e sobre tudo o que penso e digo. A opinião dos outros ajuda-me a conhecê-los melhor e até mesmo a compreender-me melhor. Gosto de fazer comparações. Analisar o comportamento dos outros reforça-me a auto-estima, faz-me sentir especial. Consigo perceber facilmente que sou mais inteligente que a maioria das pessoas com que me relaciono, que me preocupo com questões mais profundas, que leio mais livros e vejo mais filmes. Mas depois, vem o desassossego. Quero libertar-me e não consigo, é mais forte do que eu. Antes de me deitar, depois de ter estado horas agarrado ao computador, ainda espreito o telemóvel, a ver se alguém fez algum comentário. Vou à praia e tenho que mostrar que estive lá. Vou viajar e tenho que avisar toda a gente, não sei se por presunção ou por outra razão qualquer. Não sei, não sei, não sei…. Não sei porque faço isto e não me consigo lembrar como era a minha vida antes disto. Doutor, acho que preciso de ajuda! Primeiro foi só a Internet, depois o Google, agora o Facebook. Por favor, eu só quero curar-me deste vício – implora Diogo, num tom desesperado.
O psicanalista olha para ele, esboçando um sorriso aliviado.
- Meu amigo, o seu problema tem nome, sabe qual é?
Diogo abana a cabeça, em negação.
- Solidão! Vamos tratar primeiro disso e depois falamos do resto – atalha o médico, antes de dar por concluída a primeira sessão de psicanálise.
por Cláudia Sofia Sousa
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