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Tempo para viver

Um dia vendo o carro e a casa e mudo de vida. É só uma questão de coragem. Audácia para abdicar deste conforto que me paralisa os sentidos. Não sei o que é ter fome ou frio. A cama onde me deito não me faz doer os ossos. Tenho o armário cheio de roupa e ainda assim julgo ter tão pouco, quase nada para vestir. Os orientais é que têm razão: no ocidente passamos a vida a preparar-nos para a vida. Suportamos horas intermináveis de trabalhos infelizes porque temos um sonho. Porque temos muitos sonhos. E porque onde acaba um começa outro e todos se podem comprar. Há muito que deixámos de sonhar sonhos que não se vendem, que não há nas lojas, que não se podem trazer para casa por serem demasiado grandes, porque vivem na rua, lá fora onde deixámos de os procurar. Andamos todos tão distraídos com as nossas vidinhas fúteis, inúteis, comezinhas. Trabalhamos tanto para que nada nos falte que acaba por nos faltar o que mais falta nos faz: energia para desfrutar. Perdemos a vontade de acordar cedo só para ver o sol nascer. Já não nos lembramos de como é boa a sensação simples de enterrar os pés na areia fresca de uma praia ao amanhecer. Não temos tempo para repousar o corpo à sombra de uma árvore quando é isso que ele nos pede. Que vida é esta que nos faz tão infelizes? É a vida que escolhemos. É a vida a que nos habituámos. É a vida que queremos? Se não for, talvez haja uma saída. Se a vida é a viagem, não haverá só uma estrada. Vamos sempre a tempo de inverter a marcha e cortar caminho, escolher um outro atalho. Em vez da auto-estrada, segura, confortável, monótona, talvez nos calhe um mato por desbravar. Vamos correr riscos, encarar o perigo de frente, ter de deitar a cabeça sobre um ou outro calhau. Mas ao voltar a bater, o coração vai lembrar-nos que somos feitos de sangue, que nos corre nas veias. Que a energia que nos move é um combustível que, ao contrário dos outros, aqueles que se vendem nas bombas a preço de ouro, não custa dinheiro, não se compra nem se vende, procura-se e só assim o conseguiremos encontrar. As férias dão-me para isto. Tenho mais tempo para pensar. Por fim, encontro paz, uma paz feita de tempo, um tempo feito de liberdade, uma liberdade feita de tempo para viver.

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