Acordei com a vontade faminta que a noite não
soube adormecer. Comecei as tarefas do dia sem conseguir repousar a distracção.
Estavas em cada objecto como um fantasma. Vejo-te mas não estás ali. Imagino-te
apenas, mas tanto me pesa carregar-te para todo o lado. Preciso descarregar-te
de mim. Hoje quero depositar-me num abraço teu, como quem cai num poço sem
fundo. Vou procurar-te na surpresa que não esperas. Fazer-te borbulhar no
descontrolo do medo. Vou encontrar-te na rua dos amores-perfeitos, quase às
portas do céu. Vais poupar nas palavras, fixar-te na atenção dos outros sentidos.
Quando me vires, serei toda contornos e cores, pele suave e cheiro doce. E tu
serás a felicidade disfarçada numa vergonha infantil. No momento em que os
teus olhos e os meus olhos se encontrarem num sorriso, seremos um instante para
sempre. Dois corpos que se amam num alívio apertado. Um abraço que é um aperto
de silêncios, o reencontro sonhado com a outra metade de nós.
Dizem-me frequentemente que ainda tenho cara de menina, que ainda sou nova, que ainda tenho a vida à minha frente. Contudo, face à cronologia, é-me inevitável constatar que mais de metade do tempo que me foi concedido já passou. O que me resta já será provavelmente menos. Se isso me inquieta? Não em termos de medo, mais em termos de pressa. Já não é pressa de viver mas de realizar, de me realizar. Apesar de já ter plantado árvores, tido filhos e publicado livros, sinto-me ainda distante da potencialidade plena do meu propósito existencial. O que me falta realizar então? Talvez plantar mais árvores e escrever mais livros, já que a possibilidade de gerar filhos tem prazo de validade e a energia vital para os cuidar vai esmorecendo. Tudo o que me falta fazer parece-me tanto para o tempo que imagino à minha frente. Não cabem tantos livros e filmes e viagens e experiências nas décadas que imagino ainda poder viver. O meu maior conflito interior neste momento é já não ser nova para tanta coi...

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