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A insustentável busca do prazer

Andamos a viver em função do momento de alívio. Na vida, todos os pensamentos vão dar ao prazer. E sempre que ele acontece, o mundo pára. Há segundos que valem por anos, risos perpetuados nos ecos da memória. Nesses momentos, estar-se vivo revela-se um milagre ainda maior. Empreendemos dias e suores de esforço em prol de uns segundos de libertação. Deixar de pensar, apenas sentir. A felicidade é aquele instante de ilusionismo em que a percepção anula a preocupação. O tempo fica suspenso. Há um dedo invisível que bloqueia a progressão dos ponteiros do relógio. O sorriso rasga-se e o universo amplia-se. Nesse ápice, tudo volta a ser possível. Andamos carentes de viver. À falta de tempo para vivências, somos perseguidos pelas lembranças. Antes de adormecer, eu volto todos os dias ao último lugar onde fui feliz. Era noite e a minha almofada era o teu peito.   

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Reportagem # 32

Jornal "Dica da Semana", edição regional Algarve, 29 de Janeiro de 2015

FRIDAY EATS

A refeição que pedala a rua à minha frente vai saciar o cansaço de alguém que trocou horas de fome por uns tostões. A energia que sobra é a da ponta dos dedos. Três toques no ecrã e o jantar está pronto. A marmita verde atravessa a cidade, pela força estoica do homem que não fala português. Também não precisa. Basta tocar à campainha e dizer a palavra mágica de significado universal. Num silêncio solene, digno de um requintado mordomo, abre o saco térmico e serve o jantar. O pobre senhor que ganha uns tostões, hoje sente-se um rei. Espreguiçado no sofá, a lambuzar-se num menu cancerígeno qualquer, reencontra um espasmo de felicidade. Ah, como é boa a sexta-feira! Mham 

PERTENÇA VIRTUAL

Apaixonaram-se ao primeiro clique.  No início, tudo tinha a leveza eufórica da novidade. Tudo tinha o ingénuo encanto do desconhecido. Enquanto deslindavam os detalhes virtuosos da vida privada um do outro, em mensagens infinitas, contemplavam-se teclando, trocando imagens e palavras e emojis. Foram dias áureos de expectativa crescente. Quando será o nosso encontro real? A magia começava a desvanecer-se ao surgir a questão. Alguém não deseja abdicar do perfeccionismo platónico. Camuflados na virtualidade somos todos muito bons. Para quê sair do casulo para dar a conhecer o pior de nós? O melhor é encerrar o assunto enquanto ainda paira a beleza inicial. Um vai-se esfumando e saí de mansinho. As respostas chegam cada vez mais demoradas até não chegarem mais. Encontros românticos são para gente corajosa na vida real. O que aconteceu aqui foi só uma ilusão. A ludibriosa crença de ser possível uma pertença virtual.  (Publicado na revista ESPÚRIA, outubro 2023)