Andamos a viver em função do momento de alívio. Na vida, todos os pensamentos vão
dar ao prazer. E sempre que ele acontece, o mundo pára. Há segundos que valem por anos, risos perpetuados
nos ecos da memória. Nesses momentos, estar-se vivo revela-se um milagre ainda
maior. Empreendemos dias e suores de esforço em prol de uns segundos de
libertação. Deixar de pensar, apenas sentir. A felicidade é aquele instante de
ilusionismo em que a percepção anula a preocupação. O tempo fica suspenso. Há
um dedo invisível que bloqueia a progressão dos ponteiros do relógio. O sorriso
rasga-se e o universo amplia-se. Nesse ápice, tudo volta a ser possível. Andamos
carentes de viver. À falta de tempo para vivências, somos perseguidos pelas lembranças. Antes de adormecer, eu volto todos os dias ao último lugar onde fui feliz. Era noite e a
minha almofada era o teu peito.
Dizem-me frequentemente que ainda tenho cara de menina, que ainda sou nova, que ainda tenho a vida à minha frente. Contudo, face à cronologia, é-me inevitável constatar que mais de metade do tempo que me foi concedido já passou. O que me resta já será provavelmente menos. Se isso me inquieta? Não em termos de medo, mais em termos de pressa. Já não é pressa de viver mas de realizar, de me realizar. Apesar de já ter plantado árvores, tido filhos e publicado livros, sinto-me ainda distante da potencialidade plena do meu propósito existencial. O que me falta realizar então? Talvez plantar mais árvores e escrever mais livros, já que a possibilidade de gerar filhos tem prazo de validade e a energia vital para os cuidar vai esmorecendo. Tudo o que me falta fazer parece-me tanto para o tempo que imagino à minha frente. Não cabem tantos livros e filmes e viagens e experiências nas décadas que imagino ainda poder viver. O meu maior conflito interior neste momento é já não ser nova para tanta coi...

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