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Férias para sempre

Eu e tu, em 1980.
Há quem parta sem dizer adeus. Não por indelicadeza, mas por desconhecimento. Ninguém pensa fazer uma viagem só de ida. Voltar está sempre nos planos de quem vai a algum lugar. Regressar a casa e aos braços de quem nos espera sempre, faz parte do prazer de ir. Mas, desta vez, foste e não voltaste. Estavas de férias em Espanha e essa será para sempre a tua última memória. Imagino-te feliz, a falar sempre muito com um sorriso maior que o rosto. Tento recordar-me da última vez que nos encontrámos, sem nunca pensarmos que fosse a última. Eu acabava de ser mãe e tu nem querias acreditar como o tempo voa. Com a minha filha nos braços, olhavas-me recordando-me com cinco anos, quando fui ao teu casamento. Tínhamos vinte anos de diferença, mas não se notava. Talvez por eu parecer mais velha, talvez por tu manteres um corpo e um espírito sempre tão jovens. Eras fresca e iluminada. Raiavas alegria por onde passavas, mesmo que chorasses por dentro. Tu, São, eras assim… Um rosto de menina alegre. E assim quero eternizar a tua memória, ignorando os destroços do carro desfeito que te roubou a vida. Alguém terá dito que “a vida é uma festa que às vezes acaba cedo demais”. Infelizmente, foi o caso da tua.  

Em memória da São e do Sérgio

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Reportagem # 32

Jornal "Dica da Semana", edição regional Algarve, 29 de Janeiro de 2015

FRIDAY EATS

A refeição que pedala a rua à minha frente vai saciar o cansaço de alguém que trocou horas de fome por uns tostões. A energia que sobra é a da ponta dos dedos. Três toques no ecrã e o jantar está pronto. A marmita verde atravessa a cidade, pela força estoica do homem que não fala português. Também não precisa. Basta tocar à campainha e dizer a palavra mágica de significado universal. Num silêncio solene, digno de um requintado mordomo, abre o saco térmico e serve o jantar. O pobre senhor que ganha uns tostões, hoje sente-se um rei. Espreguiçado no sofá, a lambuzar-se num menu cancerígeno qualquer, reencontra um espasmo de felicidade. Ah, como é boa a sexta-feira! Mham 

PERTENÇA VIRTUAL

Apaixonaram-se ao primeiro clique.  No início, tudo tinha a leveza eufórica da novidade. Tudo tinha o ingénuo encanto do desconhecido. Enquanto deslindavam os detalhes virtuosos da vida privada um do outro, em mensagens infinitas, contemplavam-se teclando, trocando imagens e palavras e emojis. Foram dias áureos de expectativa crescente. Quando será o nosso encontro real? A magia começava a desvanecer-se ao surgir a questão. Alguém não deseja abdicar do perfeccionismo platónico. Camuflados na virtualidade somos todos muito bons. Para quê sair do casulo para dar a conhecer o pior de nós? O melhor é encerrar o assunto enquanto ainda paira a beleza inicial. Um vai-se esfumando e saí de mansinho. As respostas chegam cada vez mais demoradas até não chegarem mais. Encontros românticos são para gente corajosa na vida real. O que aconteceu aqui foi só uma ilusão. A ludibriosa crença de ser possível uma pertença virtual.  (Publicado na revista ESPÚRIA, outubro 2023)