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O último dos 30


Chegar aqui sem nunca ter recorrido ao psicólogo, ou até mesmo ao psiquiatra, é uma proeza genial. Mas só atingem esse extremo da dor os que vivem apaixonadamente e sem limites. Loucos são aqueles que se aproximam dos quarenta sem histórias para contar, cicatrizes para exibir, ainda muitos sonhos por realizar… Hoje faço anos e digo trinta e nove, saboreando cada sílaba com o prazer da experiência. Digo trinta e nove, com o sorriso sereno da maturidade, aquele que já não precisa de motivo ou razão por ser tão essencial quanto respirar. Digo trinta e nove sem pressa, porque tudo tem o seu tempo e já compreendi que a minha vontade só acelera o que depende unicamente de mim. Tudo o resto é saber esperar. Digo trinta e nove com a alegria de quem, finalmente, tem amigos de verdade, daqueles que vibram com as tuas bem-aventuranças e são os primeiros a chegar quando o choro se impõe. Digo orgulhosamente trinta e nove com a certeza de que não queria ter outra idade, pois esta tem a beleza da juventude sábia e assenta-me tão bem. Digo trinta e nove com gratidão, por ainda ter pais e avós, por ter um labor que me sustenta e uma saúde tranquila, orientada pela paz que me dirige. Ao som dos grilos que pautam o silêncio noturno, antes de adormecer, grito trinta e nove contra o vento, exibindo a minha suprema de liberdade, ao começar este dia de aniversário natalício da forma mais perfeita possível: a fazer o que mais gosto – escrever.  

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