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O último dos 30


Chegar aqui sem nunca ter recorrido ao psicólogo, ou até mesmo ao psiquiatra, é uma proeza genial. Mas só atingem esse extremo da dor os que vivem apaixonadamente e sem limites. Loucos são aqueles que se aproximam dos quarenta sem histórias para contar, cicatrizes para exibir, ainda muitos sonhos por realizar… Hoje faço anos e digo trinta e nove, saboreando cada sílaba com o prazer da experiência. Digo trinta e nove, com o sorriso sereno da maturidade, aquele que já não precisa de motivo ou razão por ser tão essencial quanto respirar. Digo trinta e nove sem pressa, porque tudo tem o seu tempo e já compreendi que a minha vontade só acelera o que depende unicamente de mim. Tudo o resto é saber esperar. Digo trinta e nove com a alegria de quem, finalmente, tem amigos de verdade, daqueles que vibram com as tuas bem-aventuranças e são os primeiros a chegar quando o choro se impõe. Digo orgulhosamente trinta e nove com a certeza de que não queria ter outra idade, pois esta tem a beleza da juventude sábia e assenta-me tão bem. Digo trinta e nove com gratidão, por ainda ter pais e avós, por ter um labor que me sustenta e uma saúde tranquila, orientada pela paz que me dirige. Ao som dos grilos que pautam o silêncio noturno, antes de adormecer, grito trinta e nove contra o vento, exibindo a minha suprema de liberdade, ao começar este dia de aniversário natalício da forma mais perfeita possível: a fazer o que mais gosto – escrever.  

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Reportagem # 32

Jornal "Dica da Semana", edição regional Algarve, 29 de Janeiro de 2015

FRIDAY EATS

A refeição que pedala a rua à minha frente vai saciar o cansaço de alguém que trocou horas de fome por uns tostões. A energia que sobra é a da ponta dos dedos. Três toques no ecrã e o jantar está pronto. A marmita verde atravessa a cidade, pela força estoica do homem que não fala português. Também não precisa. Basta tocar à campainha e dizer a palavra mágica de significado universal. Num silêncio solene, digno de um requintado mordomo, abre o saco térmico e serve o jantar. O pobre senhor que ganha uns tostões, hoje sente-se um rei. Espreguiçado no sofá, a lambuzar-se num menu cancerígeno qualquer, reencontra um espasmo de felicidade. Ah, como é boa a sexta-feira! Mham 

VERSÃO 4.5

Dizem-me frequentemente que ainda tenho cara de menina, que ainda sou nova, que ainda tenho a vida à minha frente. Contudo, face à cronologia, é-me inevitável constatar que mais de metade do tempo que me foi concedido já passou. O que me resta já será provavelmente menos. Se isso me inquieta? Não em termos de medo, mais em termos de pressa. Já não é pressa de viver mas de realizar, de me realizar. Apesar de já ter plantado árvores, tido filhos e publicado livros, sinto-me ainda distante da potencialidade plena do meu propósito existencial. O que me falta realizar então? Talvez plantar mais árvores e escrever mais livros, já que a possibilidade de gerar filhos tem prazo de validade e a energia vital para os cuidar vai esmorecendo. Tudo o que me falta fazer parece-me tanto para o tempo que imagino à minha frente. Não cabem tantos livros e filmes e viagens e experiências nas décadas que imagino ainda poder viver. O meu maior conflito interior neste momento é já não ser nova para tanta coi...