A tua última morada foi o meu coração. À boleia da memória, é aqui que regressas, sempre que te aperta a saudade. Deixo a porta encostada, não precisas de chave, nem de hora para voltar. Bate apenas ao de leve, para que a distração não me apanhe num susto e um grito não espante os vizinhos. Às três pancadas, entra à vontade, estou sempre tua espera. És tu quem me traz flores e até aprendeste a rezar. Num reencontro de mãos dadas, agradecemos ao Pai Nosso e prometemos não chorar no adeus. Quando do teu corpo em brasa apenas restou a cinza do teu nome, guardaram-te como um tesouro num cofre. Fui poupada às romarias de finados e às lágrimas de cemitério. Agora, só choramos de alegria quando o sonho de um abraço quase parece real. Voltas a ter corpo e sorris para mim como antes. Estás na mesma. Eu envelheço mas tu não. Tomo-te as mãos num beijo e sorrio-te de volta, perguntando: Como é que consegues enganar a morte e fugir dessa prisão para me ver? Ludibriando-a, respondes, num piscar de olho. Finjo que me esqueci de um livro ou de um filme e peço licença para o vir buscar. Ela que é toda intelectual, acreditas que até me agradece? Entre suspiros e bocejos, diz que já não suporta mais o tédio ocioso da eternidade.
por Cláudia Sofia Sousa
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