O meu pai não se chama José, nem sequer acredita em
Deus. Mas é o ateu mais cristão que conheço e tem nome de profeta. Homem de
grandes virtudes, Eliseu demonstra mais do que diz, cumpre mais do que promete.
Podia ser mais generoso a distribuir beijos e abraços mas nem isso é defeito, é
apenas feitio. De todos os ensinamentos maiores, devo-lhe a liberdade de
escolha e de pensamento. Nunca me obrigou a ser ninguém que não sou, a fazer
nada a contragosto ou vontade. Ensinou-me sim a
liberdade, sinónimo de responsabilidade, e assim a tenho cumprido. Nunca me
impôs habilidades ou religião, curso, namorado ou profissão. Nessa tamanha
liberdade de ser, deixou-me uma só condição: se errasse, que soubesse lidar com
as consequências. Ainda assim, o desamparo nunca foi castigo e a mão invisível
de pai esteve sempre comigo, nas horas de maior aperto. Pai, és um bom homem e
um homem bom. Pai, agora grisalho, és um magnífico avô. Pai, na terra és grande
como o céu. E aqui és meu Pai, senhor Eliseu.
Dizem-me frequentemente que ainda tenho cara de menina, que ainda sou nova, que ainda tenho a vida à minha frente. Contudo, face à cronologia, é-me inevitável constatar que mais de metade do tempo que me foi concedido já passou. O que me resta já será provavelmente menos. Se isso me inquieta? Não em termos de medo, mais em termos de pressa. Já não é pressa de viver mas de realizar, de me realizar. Apesar de já ter plantado árvores, tido filhos e publicado livros, sinto-me ainda distante da potencialidade plena do meu propósito existencial. O que me falta realizar então? Talvez plantar mais árvores e escrever mais livros, já que a possibilidade de gerar filhos tem prazo de validade e a energia vital para os cuidar vai esmorecendo. Tudo o que me falta fazer parece-me tanto para o tempo que imagino à minha frente. Não cabem tantos livros e filmes e viagens e experiências nas décadas que imagino ainda poder viver. O meu maior conflito interior neste momento é já não ser nova para tanta coi...
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