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AMAR (ATÉ) O INIMIGO

Quarta-feira de cinzas. E ao sétimo dia a guerra continuou, apesar da quaresma anunciar um tempo de reconciliação e paz. Nada é mais certo de que somos pó e ao pó voltaremos. Todos, sem exceção. Escusado era interromper tantas vidas precocemente pela ambição cega de um só homem. Hoje, como cristã, ao receber a imposição das cinzas na Eucaristia, em sinal de arrependimento e conversão, pedi perdão por Putin e a sua conversão ao bem. Para quem não crê, parece ridículo, eu sei. Mas o caminho da paz nunca se construirá amaldiçoando o inimigo, antes invocando sobre ele o perdão, a misericórdia e a iluminação divina de que tanto precisa. Com o cérebro invadido pelas cinzas de uma Ucrânia em lágrimas, que todos os crentes sejam aliados em oração, para que a força invisível em que acreditam consiga sobrepor-se à escuridão. Enquanto o mundo for mundo, será eterna a luta do bem contra o mal. Neste perpétuo braço de ferro, façamos força do lado certo.


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