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Noventa euros em frutos tropicais

Saborear um fruto exótico pode ser uma experiência inesquecível mas longe do alcance de todas as carteiras

Há quem diga que a melhor forma de conhecer um local e as suas gentes é deambular a pé pelas ruelas que se entrecruzam à nossa volta e visitar o mercado municipal. E foi isso mesmo que fiz no primeiro dia de visita ao Funchal. Saio do hotel, localizado no coração do centro histórico, e começo a atravessar ruas aleatoriamente. Começo por seguir pela principal e depois arrisco atalhos pelas perpendiculares, à procura de pessoas e de casas com portas e janelas entreabertas por onde possa espreitar. Liberto toda a curiosidade que se esconde em mim e dou-lhe trela. Quero que seja ela a puxar por mim e por isso deixo-me guiar pelo seu instinto. Sem que tenha andado mais de 500 metros, dou comigo à entrada do mercado municipal. Na fachada leio a inscrição “Mercado dos Lavradores”, mas depressa descubro que este mercado é sobejamente conhecido pelo mercado das flores. Basta atravessar o portão principal para perceber porquê. Uns bons pares de mulheres trajadas a rigor vendem, cada uma na sua banca, uma inúmera variedade de flores. Flores exóticas. Flores diferentes do habitual. Flores com as mais variadas formas e cores. Por entre todas, sobressaem sempre as estrelícias – uma flor de grande talo verde-esmeralda por onde rebentam um conjunto de pétalas bicudas de tom alaranjado, que mais fazem lembrar um pássaro preparado para levantar voo. Não é raro encontrar o desenho desta flor bordado ou estampado em múltiplos “souvenirs” que pretendem imortalizar uma recordação da ilha da Madeira.
Das flores para o peixe, ainda passo pelas vergas e pelos bonitos trabalhos que ainda se produzem com uma matéria-prima já pouco em voga. A delicadeza e perfeição das peças cativa o meu olhar durante uns minutos e não resisto em tocar numa ou outra cesta para sentir a textura das palhinhas.
Chegada à secção de venda das riquezas do mar, descubro que o peixe típico da madeira é o peixe-espada preto. Banca sim, banca não, dezenas de exemplares repousam inertes, aguardando quem os leve para casa. Não menos espectaculares são os avantajados atuns, espadartes e pargos. Os maiores são vendidos à posta, os outros ao quilo, peça a peça. Um outro peixe de cor avermelhada e feições rudes chama-me a atenção. Descubro que é o célebre bodião, teimosamente sugerido a todos os turistas, em todo e qualquer restaurante típico.
Por último, visito a parte mais doce, suculenta e deliciosa do mercado – a zona das frutas. Faço-me desfilar por debaixo de gigantes cachos de bananas pendurados e devoro com os olhos aquela salada de frutas colorida.
Estava mergulhada neste paraíso “tutti-frutti” quando uma das vendedoras me abordou súbita e inesperadamente, dando-me a provar algo de completamente diferente. “Chama-se ananás-banana e é muito bom!” – esclareceu. À primeira vista, aquele fruto de cor verde seco, com a forma de um pepino e uma casca com a textura de pequenos losangos encaixados em forma de puzzle parecia repugnante. “Só quando amadurece e a casca começa a soltar-se sozinha é que estão bons para comer”, ensina a rapariga, num tom experiente. Espeta a polpa do fruto com um garfo e dá-me a provar. E tive uma epifania, posso resumir assim para não me alongar mais. Aos 30 anos provei uma espécie de fruta rara e deliciosa que jamais imaginei existir. Seguiu-se a prova de algumas cinco espécies de maracujá: além do tradicional (que imaginava fosse o único), existe o maracujá-limão, o maracujá-laranja, o maracujá-tomate e o maracujá-banana. Depois de tanta prova, achei indelicado sair da banca de mãos a abanar. Pedi, por isso, à vendedora que reunisse um “mix” num saquinho. Tirei a carteira da mala, preparando o pagamento. “Quanto é tudo?”, perguntei, descontraidamente. “90 euros e quarenta”, ouvi, antes de quase ter uma paragem cardio-respiratória. Não havia nada a fazer. Devolver a fruta estava fora de questão. Paguei e segui com um sorriso artificial, ainda perturbada. “90 euros em fruta?” – questionava-se o meu cérebro, sentindo-se culpado por tamanha extravagância. Mas depois, aos poucos, lembro-me de ter pensado, antes aqui que na farmácia, já diz o povo e, assim como assim, ainda ajudei alguém que produz o que de melhor se faz nesta terra que escolhi visitar.
Moral da história: os frutos tropicais são deliciosos, é um facto. Mas nem todas as bocas terão um dia a alegria de os saborear sob pena da carteira ser incapaz de os financiar. Hoje tive a verdadeira consciência de que sou uma privilegiada.

Comentários

  1. Boas, encontrei este artigo por acaso e devo dizer lhe que fiquei estupefacto com o que escreveu dizendo que era privilegiada por ter pago 90e por meia duzia de frutos! Acorde minha senhora! Eu trabalho no mercado dos lavradores mas no andar de baixo onde os preços são muito, mas muito, mais acessiveis que esse que lhe cobraram (um autentico roubo) onde eu cobraria pelos mesmos frutos 20euros! Infelizmente esta é uma situação corrente no mercado no 2º andar, onde as ditas "degustações " saem muito caras aos fregueses cobrando preços exorbitantes! Por isso um conselho, VEJAM OS PREÇOS PRIMEIRO!!!

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    Respostas
    1. Agradeço desde já o seu comentário elucidativo. Se existe algo de útil naquilo que se partilha por aqui na Internet é a possibilidade de trocarmos informações uns com os outros para nos tornarmos todos pessoas mais informadas e atentas. Muito obrigada pelo seu contributo.

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  2. Passei pela mesma banca. Chorei também o meu assalto. Descobri ainda depois, em Lisboa, que grande parte da fruta vendida no Mercado dos Lavradores, com excepção da banana local, é importada.

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