Os amigos
encontram-se na soma dos gestos. Uma dose de alegria e outra de sabedoria são
quanto baste para que duas mãos se apertem na confiança do calor que as une. Um
amigo pode nascer de uma palavra ou de um sorriso, de uma gargalhada ou de um
acaso feliz. Ao encontrar um amigo há sempre uma janela que se escancara
descortinando-nos a mente, permitindo que se revele o melhor de nós. Um amigo
que nos descobre tem vocação de marinheiro, daqueles que ao longe avistam terra
firme onde é seguro aportar. Os amigos têm mãos capazes de acariciar sonhos e
asas para oferecer se quisermos voar. Um amigo é capaz de soprar até ser vento e
transportar-nos mais alto ou mais longe, sempre mais e mais além. Não há amigos
e amigos. Há amigos e inimigos. Os outros são conhecidos. Seres que partilham
um espaço ou um tempo sem o compromisso da continuidade a que se chama amizade.
Um amigo não é um ombro, é um travesseiro humano que nos embala e adormece as
dores que a vida teima em nos infligir. Cair nos braços de um amigo é um
descanso. É como mergulhar no mar da tranquilidade onde haverá sempre uma
jangada pronta para nos salvar. Por um amigo, esquecemos passados e inventamos
futuros. Não nos interessa quem foi nem o que fez, mas quem é e o que faz aqui
e agora. Os amigos não se esquecem uns dos outros. Apenas há pessoas que se
esquecem de si, ao permitirem ser possível que tudo se sobreponha ao prazer que
dá reencontrar um amigo. E as férias são nossas amigas porque, ao
reencontrarmo-nos, nos lembramos de como é bom ter tempo para reencontrar a
amizade.
Dizem-me frequentemente que ainda tenho cara de menina, que ainda sou nova, que ainda tenho a vida à minha frente. Contudo, face à cronologia, é-me inevitável constatar que mais de metade do tempo que me foi concedido já passou. O que me resta já será provavelmente menos. Se isso me inquieta? Não em termos de medo, mais em termos de pressa. Já não é pressa de viver mas de realizar, de me realizar. Apesar de já ter plantado árvores, tido filhos e publicado livros, sinto-me ainda distante da potencialidade plena do meu propósito existencial. O que me falta realizar então? Talvez plantar mais árvores e escrever mais livros, já que a possibilidade de gerar filhos tem prazo de validade e a energia vital para os cuidar vai esmorecendo. Tudo o que me falta fazer parece-me tanto para o tempo que imagino à minha frente. Não cabem tantos livros e filmes e viagens e experiências nas décadas que imagino ainda poder viver. O meu maior conflito interior neste momento é já não ser nova para tanta coi...

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