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O sensual “Desfado” de Ana Moura


De vestido negro cingido, cabelo negro comprido, ela entra em palco e faz-se silêncio, que se vai cantar o “Desfado”. Se este último álbum de Ana Moura é um sucesso mundial, que a consagra definitivamente, não é por acaso. Num estilo muito singular, ela consegue literalmente desconstruir a melodia tradicional do fado, preservando a sua essência. A receita de tamanho sucesso, quanto a mim, é uma mistura explosiva: o calor da voz grave, o jeito sensual de um corpo que se bamboleia discretamente ao ritmo da música e uma simpatia de sorriso sempre rasgado. A tudo isto, soma-se ainda a poesia intensa e vibrante de cada letra e, na actuação ao vivo, o mérito dos músicos que a acompanham em palco. Além da guitarra portuguesa, um baixo, um piano e uma bateria são os instrumentos a que voz de Ana Moura se encosta para fazer nascer canções de indiscutível beleza, que proporcionam a quem ouve momentos de raro prazer. Ontem à noite, no auditório municipal de Olhão, o meu corpo confirmou com arrepios o prazer que já me tocava em afinidades com o CD que há meses me acompanha nas viagens de carro. Se me é permitido eleger um tema deste álbum, nomeio a faixa dez, “Fado alado”, com letra e música do não menos genial Pedro Abrunhosa.      





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A refeição que pedala a rua à minha frente vai saciar o cansaço de alguém que trocou horas de fome por uns tostões. A energia que sobra é a da ponta dos dedos. Três toques no ecrã e o jantar está pronto. A marmita verde atravessa a cidade, pela força estoica do homem que não fala português. Também não precisa. Basta tocar à campainha e dizer a palavra mágica de significado universal. Num silêncio solene, digno de um requintado mordomo, abre o saco térmico e serve o jantar. O pobre senhor que ganha uns tostões, hoje sente-se um rei. Espreguiçado no sofá, a lambuzar-se num menu cancerígeno qualquer, reencontra um espasmo de felicidade. Ah, como é boa a sexta-feira! Mham 

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