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Escrevo para esquecer

Doença é um nome feio. Mete medo e cheira a hospital. Soa a morte prematura. Dói a quem a sente e a quem a vê. Há dias vi-a passar à minha frente. Ia disfarçada de colega de infância. Quase não a reconheci. Passou empurrada sobre duas rodas. Ao fim de uns segundos, exclamei de susto: o que foi que aconteceu àquela rapariga que eu conhecia? Senti vontade de saber mais, mas vergonha de perguntar. Para quê confirmar o que as imagens revelam sem dó? Nunca mais falei com ela. Se antes não foi oportuno, agora seria constrangedor. Impossível não sentir compaixão de alguém tão jovem e tão privado de vida. A doença rouba mais que a idade. Apodera-se da beleza. Centrifuga a pele e mastiga os ossos. É um furacão de arrancar forças e cabelos. Por onde passa, deixa apenas os destroços e raramente uma esperança vaga de recomeço. Espantei-me: naquele rosto não vi tristeza nem dor. Onde contava ver desespero, observei serenidade. O ser humano habitua-se a tudo. O que não se pode mudar, aceita-se. Adormece-se desejando acordar de um pesadelo. Há imagens que têm eco. Por isso, escrevo para esquecer o que vi.

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