Doença é um nome feio. Mete medo e cheira a
hospital. Soa a morte prematura. Dói a quem a sente e a quem a vê. Há dias vi-a
passar à minha frente. Ia disfarçada de colega de infância. Quase não a
reconheci. Passou empurrada sobre duas rodas. Ao fim de uns segundos, exclamei
de susto: o que foi que aconteceu àquela rapariga que eu conhecia? Senti vontade
de saber mais, mas vergonha de perguntar. Para quê confirmar o que as imagens
revelam sem dó? Nunca mais falei com ela. Se antes não foi oportuno, agora
seria constrangedor. Impossível não sentir compaixão de alguém tão jovem e tão
privado de vida. A doença rouba mais que a idade. Apodera-se da beleza.
Centrifuga a pele e mastiga os ossos. É um furacão de arrancar forças e cabelos.
Por onde passa, deixa apenas os destroços e raramente uma esperança vaga de
recomeço. Espantei-me: naquele rosto não vi tristeza nem dor. Onde contava ver
desespero, observei serenidade. O ser humano habitua-se a tudo. O que não se
pode mudar, aceita-se. Adormece-se desejando acordar de um pesadelo. Há imagens
que têm eco. Por isso, escrevo para esquecer o que vi.
Dizem-me frequentemente que ainda tenho cara de menina, que ainda sou nova, que ainda tenho a vida à minha frente. Contudo, face à cronologia, é-me inevitável constatar que mais de metade do tempo que me foi concedido já passou. O que me resta já será provavelmente menos. Se isso me inquieta? Não em termos de medo, mais em termos de pressa. Já não é pressa de viver mas de realizar, de me realizar. Apesar de já ter plantado árvores, tido filhos e publicado livros, sinto-me ainda distante da potencialidade plena do meu propósito existencial. O que me falta realizar então? Talvez plantar mais árvores e escrever mais livros, já que a possibilidade de gerar filhos tem prazo de validade e a energia vital para os cuidar vai esmorecendo. Tudo o que me falta fazer parece-me tanto para o tempo que imagino à minha frente. Não cabem tantos livros e filmes e viagens e experiências nas décadas que imagino ainda poder viver. O meu maior conflito interior neste momento é já não ser nova para tanta coi...

Comentários
Enviar um comentário
Se gostou deste artigo, ou tem uma palavra a acrescentar, agradeço imenso que deixe o seu comentário.