Avançar para o conteúdo principal

Parto sem dor

11 de Março de 2008, berçário do Hospital de Santa Maria, Lisboa 
Fui a conduzir para o hospital. Não suspeitava que pudesse ter de passar lá a noite, por isso levava como única bagagem a discreta barriga de oito meses. A tensão a subir, eram só uns exames de rotina a pedido do médico, pura precaução, afinal “ainda falta muito tempo”, pensava eu. Estava longe, muito longe de imaginar que daí a poucas horas estaria em pânico com uma bebé prematura nos braços. Fui mãe sem dores de parto. Lamento até hoje desconhecer o significado de uma contracção. Fui poupada ao ridículo de me ver com uma poça de água aos pés, como se urinasse sem sentir. Não, eu não sei. Sou mãe sem conhecer os gritos de dor dos partos romanceados. Acordei de uma anestesia geral, recordando-me lentamente quem era e onde estava. E poucos minutos depois, ainda atordoada e dormente, vi entrar uma enfermeira com um bebé nos braços. “Acho que é sua!” – Disse-me, em tom de brincadeira. Sem saber ainda o que fazer ou pensar ou dizer, estendi-lhe os braços e desajeitadamente segurei-te contra o meu peito. Eras dois quilos da mais pura perfeição. E a partir desse instante, noite e dia, dia e noite, eu tinha a obrigação de zelar para que nada te faltasse. Antes de conseguir ficar feliz, tive medo: a partir de agora era a sério, ia mesmo começar a ser mãe! A tua mãe. Não fui a primeira pessoa a ver-te, mas dizem que eras um sopro de vida numa caixinha de vidro. Nem respirar ainda sabias. Eras incapaz de mamar. Manter-te viva tornou-se a minha missão. Dentro de mim batem desde então dois corações. O teu e o meu. Tudo começou, faz hoje seis anos. 

Comentários

  1. E então agora sou eu que te dou os parabéns mamã!! Cá pelo meu lado o parto foi com muitas dores, daquelas que nos fazem pensar um pouco antes de mandar vir o número 2! Mas também fui para o hospital convencidissima que voltava para casa no mesmo dia, que eu ainda tinha muito que fazer !! loool

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Se gostou deste artigo, ou tem uma palavra a acrescentar, agradeço imenso que deixe o seu comentário.

Mensagens populares deste blogue

VERSÃO 4.5

Dizem-me frequentemente que ainda tenho cara de menina, que ainda sou nova, que ainda tenho a vida à minha frente. Contudo, face à cronologia, é-me inevitável constatar que mais de metade do tempo que me foi concedido já passou. O que me resta já será provavelmente menos. Se isso me inquieta? Não em termos de medo, mais em termos de pressa. Já não é pressa de viver mas de realizar, de me realizar. Apesar de já ter plantado árvores, tido filhos e publicado livros, sinto-me ainda distante da potencialidade plena do meu propósito existencial. O que me falta realizar então? Talvez plantar mais árvores e escrever mais livros, já que a possibilidade de gerar filhos tem prazo de validade e a energia vital para os cuidar vai esmorecendo. Tudo o que me falta fazer parece-me tanto para o tempo que imagino à minha frente. Não cabem tantos livros e filmes e viagens e experiências nas décadas que imagino ainda poder viver. O meu maior conflito interior neste momento é já não ser nova para tanta coi...

RECONFINAMENTO - III

Os dias passam velozes mas o tempo parece não avançar. As soluções demoram, ninguém trava a morte, o cárcere dos dias é uma asfixia doméstica sem direito a balões de oxigénio. Resta-nos fechar os olhos e apelar à imaginação: estar aonde não estamos, ir aonde não vamos. O pensamento pode ser o pior ou o nosso melhor aliado. As saudades têm nome e rosto e os beijos e abraços são promessas dolorosas por cumprir. Queremos todos o mesmo. O que mais desejamos é que este tempo passe e o mundo avance para outra realidade. Uma vida nova, sem distâncias de pele, na qual nos possamos voltar a cheirar e tocar ao sabor do desejo.

Quando a avó me levava ao parque

Quando a minha avó me levava ao parque, eu tinha cinco anos e ainda sabia ser feliz. A avó levava sempre a minha mão bem apertada pelo medo de não me deixar fugir. Esses dias eram sempre finais de tarde de verão, daqueles que o Sol gosta de prolongar até que resolve esconder-se. Depois de jantar, lá íamos nós, rua acima, pela fresquinha – como ela dizia – agradada com a brisa que antecede o anoitecer. Lá em casa, jantávamos cedo, às seis da tarde já a comida estava na mesa. Era assim por causa do avô. Ele chegava das obras com a roupa e as botas pesadas de cimento e tomava sempre banho antes de ocupar o seu lugar cativo à mesa. Depois, com as mãos espessas e ásperas de tanto acartar baldes de massa, cortava uma fatia de pão. Vida dura a do avô. As obras começavam sempre cedo, sobretudo no verão, para fugir à braseira estival. Vida dura a da avó. Uma vida feita de espera e de cuidar dos outros. Mas nem um lamento. Daquela boca só saíam jóias e rebuçados. Daquelas mãos, só carinho. Da...