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Matéria-prima

A palavra é o meu tijolo. Arremesso-a todos os dias, não para erguer muros mas para construir pontes, elos de ligação entre as pessoas. Gosto de palavras firmes que não sejam rígidas. Não gosto de palavras duras, feitas de pedra. Gosto delas suaves, parecidas com plasticina, as que se deixam moldar à situação e têm o efeito balsâmico de um abraço. Todas as palavras deveriam ser usadas para unir, erguer, construir. A amizade é uma palavra funda: dentro dela cabe um poço de palavras. O amor é uma palavra-mistério: todos o sentem, ninguém o viu. É como o vento, atravessa-nos o corpo, desarruma-nos as ideias e lá vai, voltando sempre, inesperado, voando selvagem. A palavra é o esboço de quem não sabe desenhar. Aos olhos de um escritor, todo o mundo é um puzzle de palavras encaixadas, onde sempre faltam ou sobram peças. Toda a palavra pode, toda a palavra muda. Por isso, lança as tuas palavras. Mesmo baralhadas como as cartas, elas têm poder. Ao não as usares, abdicas de ser quem és, e estarás condenado a viver escondido num buraco solitário chamado silêncio.   

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Reportagem # 32

Jornal "Dica da Semana", edição regional Algarve, 29 de Janeiro de 2015

FRIDAY EATS

A refeição que pedala a rua à minha frente vai saciar o cansaço de alguém que trocou horas de fome por uns tostões. A energia que sobra é a da ponta dos dedos. Três toques no ecrã e o jantar está pronto. A marmita verde atravessa a cidade, pela força estoica do homem que não fala português. Também não precisa. Basta tocar à campainha e dizer a palavra mágica de significado universal. Num silêncio solene, digno de um requintado mordomo, abre o saco térmico e serve o jantar. O pobre senhor que ganha uns tostões, hoje sente-se um rei. Espreguiçado no sofá, a lambuzar-se num menu cancerígeno qualquer, reencontra um espasmo de felicidade. Ah, como é boa a sexta-feira! Mham 

VERSÃO 4.5

Dizem-me frequentemente que ainda tenho cara de menina, que ainda sou nova, que ainda tenho a vida à minha frente. Contudo, face à cronologia, é-me inevitável constatar que mais de metade do tempo que me foi concedido já passou. O que me resta já será provavelmente menos. Se isso me inquieta? Não em termos de medo, mais em termos de pressa. Já não é pressa de viver mas de realizar, de me realizar. Apesar de já ter plantado árvores, tido filhos e publicado livros, sinto-me ainda distante da potencialidade plena do meu propósito existencial. O que me falta realizar então? Talvez plantar mais árvores e escrever mais livros, já que a possibilidade de gerar filhos tem prazo de validade e a energia vital para os cuidar vai esmorecendo. Tudo o que me falta fazer parece-me tanto para o tempo que imagino à minha frente. Não cabem tantos livros e filmes e viagens e experiências nas décadas que imagino ainda poder viver. O meu maior conflito interior neste momento é já não ser nova para tanta coi...