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Mensagem de condolências

Perder a mãe é uma amputação. É sentir a morte arrancar-nos um membro à dentada. A partir daí, tudo será como aprender a fazer tranças com uma só mão. No início, vai parecer impossível. Será como caminhar com uma só perna. Coxeando e caindo, sem ter quem nos apare. Viver sem mãe deve parecer-se a caminhar sem chão. Escrevo no domínio da suposição, porque felizmente não sei o que isso é. Provavelmente, se a lei da vida não atraiçoar as contas, um dia essa dor irá tocar-me. Que buraco fundo a falta de um mãe consegue escavar! De um pai sente-se a falta. Muita. Mas uma mãe sai de nós como um dia saímos dela: com um grito de parto. Um dia, quase todas as mães juraram não aguentar as dores de um outro corpo a sair do seu. Assim serás, minha mãe. Quando partires, vais deixar-me de herança um longo trabalho de parto. Sozinha, terei de parir forças para suportar esta vida sem ti. Se ao menos pudesses dizer-me onde reencontrar o calor das tuas mãos… 

(Dedicado a uma mãe-coragem que ontem partiu)


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Reportagem # 32

Jornal "Dica da Semana", edição regional Algarve, 29 de Janeiro de 2015

FRIDAY EATS

A refeição que pedala a rua à minha frente vai saciar o cansaço de alguém que trocou horas de fome por uns tostões. A energia que sobra é a da ponta dos dedos. Três toques no ecrã e o jantar está pronto. A marmita verde atravessa a cidade, pela força estoica do homem que não fala português. Também não precisa. Basta tocar à campainha e dizer a palavra mágica de significado universal. Num silêncio solene, digno de um requintado mordomo, abre o saco térmico e serve o jantar. O pobre senhor que ganha uns tostões, hoje sente-se um rei. Espreguiçado no sofá, a lambuzar-se num menu cancerígeno qualquer, reencontra um espasmo de felicidade. Ah, como é boa a sexta-feira! Mham 

PERTENÇA VIRTUAL

Apaixonaram-se ao primeiro clique.  No início, tudo tinha a leveza eufórica da novidade. Tudo tinha o ingénuo encanto do desconhecido. Enquanto deslindavam os detalhes virtuosos da vida privada um do outro, em mensagens infinitas, contemplavam-se teclando, trocando imagens e palavras e emojis. Foram dias áureos de expectativa crescente. Quando será o nosso encontro real? A magia começava a desvanecer-se ao surgir a questão. Alguém não deseja abdicar do perfeccionismo platónico. Camuflados na virtualidade somos todos muito bons. Para quê sair do casulo para dar a conhecer o pior de nós? O melhor é encerrar o assunto enquanto ainda paira a beleza inicial. Um vai-se esfumando e saí de mansinho. As respostas chegam cada vez mais demoradas até não chegarem mais. Encontros românticos são para gente corajosa na vida real. O que aconteceu aqui foi só uma ilusão. A ludibriosa crença de ser possível uma pertença virtual.  (Publicado na revista ESPÚRIA, outubro 2023)