A vida corre. Como corria
aquela menina de olhos cor de esperança que adentrava os campos e trepava as
árvores. Eram anos duros mas leves, rigorosos mas despreocupados. A menina
tinha uma idade na qual não cabiam problemas e o ar puro entrava-lhe a plenos
pulmões. Dormia o sono angelical dos pássaros e raiava como um sol ao
alvorecer. A escola era uma lonjura solitária calcorreada na alegria inocente
de quem nada teme. O mal não existe para quem o desconhece. E aquela menina era
uma bondade só. Do campo para a cidade, de Portugal para o estrangeiro, o bom
dia virou bonjour e passou a ir à l'école. Cette petite fille cresceu emigrante
e regressava princesa aos bailes de Verão. Foi aí que um dia o príncipe a
convidou para dançar. Era um jovem rebelde e destemido com aspirações políticas e um encanto singular. Era alto, esguio, calças à boca de sino e cabeleira a
condizer com os 70's. Encantada, ela rendeu-se e o coração não parou de crescer
desde esse dia. Bateu, bateu, bateu, até que lhe saltou do peito duas vezes e
passou a bater do lado de fora. Vestido de noiva, duas crianças ao colo,
trabalho, trabalho e a vida a correr sem piedade. Hoje é uma senhora. Já não
corre porque os livros ensinam que devemos andar mais devagar. Chegou à idade
da sabedoria, trepando dores e driblando adversidades. Mais firme e mais forte
do que nunca, ainda é filha, sendo mãe e avó. De todos cuida, a todos vigia, a
todos ampara e protege. O amor move-lhe a vida e afasta-a da idade. Hoje faz
anos apenas porque a vida corre. Mas o espírito ascende gradualmente em
alegria, na glória da continuidade do dom que certo dia, neste dia, recebeu.
Dizem-me frequentemente que ainda tenho cara de menina, que ainda sou nova, que ainda tenho a vida à minha frente. Contudo, face à cronologia, é-me inevitável constatar que mais de metade do tempo que me foi concedido já passou. O que me resta já será provavelmente menos. Se isso me inquieta? Não em termos de medo, mais em termos de pressa. Já não é pressa de viver mas de realizar, de me realizar. Apesar de já ter plantado árvores, tido filhos e publicado livros, sinto-me ainda distante da potencialidade plena do meu propósito existencial. O que me falta realizar então? Talvez plantar mais árvores e escrever mais livros, já que a possibilidade de gerar filhos tem prazo de validade e a energia vital para os cuidar vai esmorecendo. Tudo o que me falta fazer parece-me tanto para o tempo que imagino à minha frente. Não cabem tantos livros e filmes e viagens e experiências nas décadas que imagino ainda poder viver. O meu maior conflito interior neste momento é já não ser nova para tanta coi...

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