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Carta ao meu futuro amor

Escrevo-te deste instante chamado presente, esperando encontrar-te numa esquina de um futuro próximo.
Poderás ser quem procuro, se souberes ler-me nas entrelinhas, sem demasiados pontos de interrogação.
Serás tu capaz de envolver-me os sentimentos sem me prender as vontades?
Ao menos, tenta. Deixa-me ir e voltar sem pressas, aguardando-me nessa ansiedade tranquila de coração apertado.
Desejo um amor de ninho, não de gaiola. Consigo ver-nos juntos a construir conforto, cada um voando por si em busca de sustento feliz. Dois pássaros que somos, poderemos multiplicar-nos num bando, se quiseres.     
Sabes, muitas vezes fecho-me a sós com os meus pensamentos, não leves a mal. Poderás juntar-te a nós, sempre que eu deixar a porta aberta. Se aprendermos a adivinhar os silêncios um do outro, saberemos tudo o que mais importa.  
Há uma coisa que terás de me prometer: que os teus olhos serão capazes de me ampliar outras qualidades, quando a beleza me fugir. Deixa lá, não prometas nada. Se cumprires é quanto baste.
Se me fores amável, talvez te seja sempre fiel, como um cachorro sem trela que obedece e respeita livremente a quem só lhe quer bem.
É assim que te desejo, travesseiro dos meus cansaços, montanha russa das minhas euforias: que sejas a revelação de um mundo novo, livre de velhos vícios, descortinado de novos hábitos, onde juntos seremos capazes de fintar alegremente as tarefas da infelicidade rotineira dos casais.  

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