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Conto "Casa de Bonecas" - página 2

- Sim, Maria, acho que posso ajudar – respondeu Pedro, ainda sem saber como. Recorrer às autoridades seria a ideia mais simples e óbvia. Mas Pedro temia que a criança ficasse ainda mais assustada ao aperceber-se da gravidade da situação. E foi de repente que se lembrou:
- Tu disseste que procuravas uma casa de brinquedos?
- Sim! – Assentiu Maria, já com outro entusiasmo na voz.
- Pois olha, lembrei-me agora, sabes que a minha avó é dona de uma loja de brinquedos há já muitos anos?
- A sério? – Exclamou Maria incrédula, em jeito de interrogação.
- Sim, é verdade! É uma loja um bocado velha, cheia de brinquedos antigos, uns novos e outros usados que as pessoas vão lá vender quando já não os querem. Gostavas de ir comigo lá à loja e conhecer a minha avó? – Perguntou Pedro, sabendo de antemão qual seria a resposta.
- Sim! Claro que quero! – Gritou Maria, com os olhos a cintilar. Por momentos, o medo cedeu lugar ao entusiasmo e fez esquecer tudo o resto.
- Então vamos – disse Pedro, acompanhando as palavras com um discreto abraço sobre a pesada mochila que a menina carregava às costas. E lá foram. Lado a lado, caminhando lentamente. Maria deixou-se guiar com total confiança, embalada pela sua doce inocência infantil. Cinco minutos depois, Pedro parou frente a um edifício cor-de-rosa de dois andares que, apesar de parecer muito antigo, se apresentava em muito bom estado de conservação. Maria também parou, aguardando pacientemente o que aconteceria a seguir.
Pedro bateu à porta. Deu três toques, segurando a mãozinha metálica em forma de punho cerrado. Pouco depois, uma senhora velhota apareceu. Dona Carlota era a típica avozinha. De cabelo grisalho amarrado na nuca em forma de coque. Vestia roupa castanha e envergava sobre os ombros um xaile de lã bege. Apesar de ser viúva, Dona Carlota recusava-se a carregar o luto sob a forma de roupa preta.
Abriu a porta com um sorriso e apressou-se a abraçar Pedro.
- Oh, meu querido netinho! - Sussurrou, antes de lhe espetar um repenicado beijo na bochecha.
- Olá avó! – Cumprimentou Pedro, num tom meigo, antes de devolver o beijo. - Hoje trago companhia – avançou, antes que a avó sequer lhe perguntasse quem era a menina que vinha com ele.
- Esta é a Maria e ela adorava conhecer a tua loja, avó!

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