Avançar para o conteúdo principal

Conto "Casa de Bonecas" - página 1

Maria andava há horas sem saber onde estava. Caminhava cheia de fome, de frio e de medo quando foi abordada por um homem que se atravessou no caminho.
- Olá, como te chamas? - Perguntou Pedro, tentando meter conversa com a menina de ar amedrontado que aparentava ter não mais que sete ou oito anos.
- Eu sou a Maria, mas a minha mãe disse-me para não falar com estranhos - respondeu hesitante, colocando um ar muito sério.
- A tua mãe tem toda a razão, Maria. Mas onde é que ela está? - Insistiu Pedro.
- Deve estar em casa a fazer o jantar. Já é de noite e quando começa a ficar escuro ela vai para a cozinha fazer a sopa - esclareceu Maria.
Perante uma resposta que não justificava o facto de uma criança tão pequena vaguear sozinha pelas perigosas ruas da cidade àquela hora, Pedro voltou a insistir:
- Mas onde fica a tua casa, Maria?
A pergunta despertou nela a fragilidade que vinha a disfarçar e que culminou num enorme pranto.
- Eu não sei - disse soluçando, enquanto encobria o rosto com ambas as mãos. - Estou perdida! – Acrescentou, erguendo os olhos inundados de lágrimas na direcção do rosto de Pedro, como que em busca de uma solução.
Confirmou-se a suspeita que ele mais temia. Aquela criança estava mesmo perdida e não sabia como regressar a casa.
- Mas como é que te perdeste, Maria?
Já um pouco mais calma, confortada com a presença daquele estranho que parecia uma pessoa amigável, a menina explicou:
- Eu saí da escola esta tarde e em vez de voltar logo para casa, lembrei-me de procurar uma loja de brinquedos que a professora disse que havia numa rua aqui perto. Fui andando, andando, e só via casas e pessoas e árvores e carros e não encontrava loja nenhuma. Quando quis voltar para casa, já não sabia o caminho de volta. Estava perdida. Então, comecei a andar, a andar, a ver se me lembrava qual era a rua onde devia virar.
Respirou fundo, como se estivesse cansada de falar, mas assim que recuperou o fôlego, continuou:
- Podes ajudar-me a voltar para a minha casinha? – Perguntou, num tom enternecedor.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

VERSÃO 4.5

Dizem-me frequentemente que ainda tenho cara de menina, que ainda sou nova, que ainda tenho a vida à minha frente. Contudo, face à cronologia, é-me inevitável constatar que mais de metade do tempo que me foi concedido já passou. O que me resta já será provavelmente menos. Se isso me inquieta? Não em termos de medo, mais em termos de pressa. Já não é pressa de viver mas de realizar, de me realizar. Apesar de já ter plantado árvores, tido filhos e publicado livros, sinto-me ainda distante da potencialidade plena do meu propósito existencial. O que me falta realizar então? Talvez plantar mais árvores e escrever mais livros, já que a possibilidade de gerar filhos tem prazo de validade e a energia vital para os cuidar vai esmorecendo. Tudo o que me falta fazer parece-me tanto para o tempo que imagino à minha frente. Não cabem tantos livros e filmes e viagens e experiências nas décadas que imagino ainda poder viver. O meu maior conflito interior neste momento é já não ser nova para tanta coi...

RECONFINAMENTO - III

Os dias passam velozes mas o tempo parece não avançar. As soluções demoram, ninguém trava a morte, o cárcere dos dias é uma asfixia doméstica sem direito a balões de oxigénio. Resta-nos fechar os olhos e apelar à imaginação: estar aonde não estamos, ir aonde não vamos. O pensamento pode ser o pior ou o nosso melhor aliado. As saudades têm nome e rosto e os beijos e abraços são promessas dolorosas por cumprir. Queremos todos o mesmo. O que mais desejamos é que este tempo passe e o mundo avance para outra realidade. Uma vida nova, sem distâncias de pele, na qual nos possamos voltar a cheirar e tocar ao sabor do desejo.

Quando a avó me levava ao parque

Quando a minha avó me levava ao parque, eu tinha cinco anos e ainda sabia ser feliz. A avó levava sempre a minha mão bem apertada pelo medo de não me deixar fugir. Esses dias eram sempre finais de tarde de verão, daqueles que o Sol gosta de prolongar até que resolve esconder-se. Depois de jantar, lá íamos nós, rua acima, pela fresquinha – como ela dizia – agradada com a brisa que antecede o anoitecer. Lá em casa, jantávamos cedo, às seis da tarde já a comida estava na mesa. Era assim por causa do avô. Ele chegava das obras com a roupa e as botas pesadas de cimento e tomava sempre banho antes de ocupar o seu lugar cativo à mesa. Depois, com as mãos espessas e ásperas de tanto acartar baldes de massa, cortava uma fatia de pão. Vida dura a do avô. As obras começavam sempre cedo, sobretudo no verão, para fugir à braseira estival. Vida dura a da avó. Uma vida feita de espera e de cuidar dos outros. Mas nem um lamento. Daquela boca só saíam jóias e rebuçados. Daquelas mãos, só carinho. Da...