Haverá outra
forma de treinar o desapego senão perdermos alguma coisa de vez em quando?
Estimamos os nossos objectos como se pessoas fossem e choramo-los quando
partem, como se não suportássemos a existência sem eles. E esquecemo-nos sempre
que nada temos de verdadeiramente nosso. Tudo vem e vai. De tudo e de todos
teremos de nos despedir um dia, para sempre. Há todo um mundo que não
voltaremos a ver e que não levaremos connosco no bolso. Mas insistimos. A nossa
casa. O nosso carro. Os nossos objectos pessoais. Ignoramos tufões, incêndios e
terramotos. Não queremos pensar nisso. Que mau agoiro. Calamidades dos outros,
imagens longínquas repetidas pela televisão. Mas pode-nos acontecer. Estaremos
preparados para, a qualquer momento, recomeçar do zero sem nada do que acumulámos
ao longo da vida? Ninguém está. Não há quem acredite ser capaz. Até ao dia em
que a fatalidade nos invade a vida e nos troca os sonhos. Ainda ontem, depois
de me sentir extraordinariamente feliz com um duche quente tomado pelo gelo das
cinco e meia da manhã, acabei o dia privada de uma mochila que me acompanhava
nas viagens há anos. Um táxi, do qual não fixei número, cooperativa ou nome de
motorista, arrancou levando, talvez para sempre, a minha mochila. Lá dentro,
banalidades: uma revista de literatura, uns óculos de sol (de marca), umas
luvas em pele, o meu gorro preferido, todas as minhas chaves, “A
desumanização”. Era só uma mochila, pensei, antes de me entristecer. Ainda
assim, lancei o alerta pelas centrais de táxis. Ninguém deu por nada. Poderá
haver um taxista sem escrúpulos uma mochila mais rico. E eu, não me sentindo
mais pobre, lamento sobretudo a perda do “meu” Valter Hugo Mãe, uma prenda de
alguém muito estimado cuja leitura me fica sem conclusão, a oitenta páginas do
fim. Mais do que tudo, perseguir-me-á o desgosto de uma obra inacabada, que
tanto prazer me estava a dar.
Dizem-me frequentemente que ainda tenho cara de menina, que ainda sou nova, que ainda tenho a vida à minha frente. Contudo, face à cronologia, é-me inevitável constatar que mais de metade do tempo que me foi concedido já passou. O que me resta já será provavelmente menos. Se isso me inquieta? Não em termos de medo, mais em termos de pressa. Já não é pressa de viver mas de realizar, de me realizar. Apesar de já ter plantado árvores, tido filhos e publicado livros, sinto-me ainda distante da potencialidade plena do meu propósito existencial. O que me falta realizar então? Talvez plantar mais árvores e escrever mais livros, já que a possibilidade de gerar filhos tem prazo de validade e a energia vital para os cuidar vai esmorecendo. Tudo o que me falta fazer parece-me tanto para o tempo que imagino à minha frente. Não cabem tantos livros e filmes e viagens e experiências nas décadas que imagino ainda poder viver. O meu maior conflito interior neste momento é já não ser nova para tanta coi...

Acho que você n sentiu nem tanto a perda dos objetos, mas a situação em se que passaste. Trocaria todos os meus pertences para ter ainda pessoas que amo e que fizeram a sua viagem, trocaria os meus pertences para que nunca terminasse os meus sentimentos e daqueles que tem igualmente por mim. Nada nos pertence e tudo nos é dado temporariamente sem sabermos o tempo desta duração. Um abraço forte minha cara Claudia.
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