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CRÓNICAS DA PANDEMIA - IV


Se há ensinamento que podemos retirar da sexta-feira Santa, sejamos crentes ou não, é o de que devemos amar a nossa cruz. Não há, nem nunca haverá vidas perfeitas, desenganem-se os que continuam a acreditar no contrário. No reverso de cada sorriso, há sempre uma tragédia oculta. Na aparência bem sucedida de cada ser humano, há sempre uma longa e sofrida caminhada, feita de suor e lágrimas. A nossa maior sorte nunca será escapar ao perigo ou à dor, mas conseguir alcançar o espírito de fortaleza, capaz de ultrapassar serenamente a adversidade. Esse é o maior desafio das nossas vidas. O tempo que atravessamos é só um treino. Se aprendermos a abraçar e amar todas as dificuldades, como uma enorme oportunidade, ainda que desfaleçamos de cansaço a meio do percurso, no final do caminho poderemos ressuscitar para uma vida nova, ainda mais plena, confiante e gloriosa.

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