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Companhia virtual

Eu estou aqui. E tu estás aí. Estás a ler-me? Então não estás só. Do outro lado da janela virtual, há uma mão que percorre as teclas em busca de companhia. Se o sono teima em não aparecer, na virtualidade do momento, podes enviar-me uma mensagem. Basta dizeres, “Olá, estou aqui!”. Do outro lado, à espreita, eu sou real, posso responder-te. E há toda uma cortina de esperança que se abre, um vazio de emoções que se preenche, um coração que se aquieta por encontrar um mesmo compasso. Não te conheço, não sei quem és, nem o que tens feito no mundo real. Mas tens um ar simpático. Deves ser boa pessoa, eu não tenho por hábito simpatizar com qualquer um. Gostava de saber como és. Qual é a imagem que se esconde atrás desta página em branco manchada de letras negras. Podes estar de pijama e chinelos, que eu nunca irei saber. Podes estar a fumar, a beber, podes estar até a tirar macacos do nariz, que eu, prometo, não me vou rir. Podes até estar nu, andar à vontade pela casa tal qual vieste ao mundo. Eu não vou dar por isso. Podes mentir, ou ser tu próprio, no teu mundo virtual és plenamente livre. Podes estar só, teres acabado de chegar a casa e desejar isolar-te dos aborrecimentos que te perseguiram durante todo o dia. Podes ser o pássaro nocturno que vagueia pelo corredor enquanto todos dormem: os meninos, no quarto deles, o cão, no quintal, a tua companhia de longa data, na vossa cama, aquela que já não te apetece partilhar. Podes estar num terminal de aeroporto e navegar pelo ciberespaço a trocar o tempo por letras. Podes estar num solitário quarto de hotel, a muitos quilómetros de distância, a ouvir filmes num idioma que desconheces, enquanto ligas o computador. Se me estás a ler neste momento, matas as saudades da tua terra através desta língua que partilhamos.Há um pensamento que nos une, neste momento em que me estás a ler. Eu estou a pensar em ti. Tu estás a pensar em mim. O meu coração na ponta dos dedos. O teu coração é agora um raio de luz que rasga o universo e chega até mim. Boa noite. Esta noite, eu estou aqui e tu estás aí. Esta noite, não estamos sós.

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Reportagem # 32

Jornal "Dica da Semana", edição regional Algarve, 29 de Janeiro de 2015

FRIDAY EATS

A refeição que pedala a rua à minha frente vai saciar o cansaço de alguém que trocou horas de fome por uns tostões. A energia que sobra é a da ponta dos dedos. Três toques no ecrã e o jantar está pronto. A marmita verde atravessa a cidade, pela força estoica do homem que não fala português. Também não precisa. Basta tocar à campainha e dizer a palavra mágica de significado universal. Num silêncio solene, digno de um requintado mordomo, abre o saco térmico e serve o jantar. O pobre senhor que ganha uns tostões, hoje sente-se um rei. Espreguiçado no sofá, a lambuzar-se num menu cancerígeno qualquer, reencontra um espasmo de felicidade. Ah, como é boa a sexta-feira! Mham 

VERSÃO 4.5

Dizem-me frequentemente que ainda tenho cara de menina, que ainda sou nova, que ainda tenho a vida à minha frente. Contudo, face à cronologia, é-me inevitável constatar que mais de metade do tempo que me foi concedido já passou. O que me resta já será provavelmente menos. Se isso me inquieta? Não em termos de medo, mais em termos de pressa. Já não é pressa de viver mas de realizar, de me realizar. Apesar de já ter plantado árvores, tido filhos e publicado livros, sinto-me ainda distante da potencialidade plena do meu propósito existencial. O que me falta realizar então? Talvez plantar mais árvores e escrever mais livros, já que a possibilidade de gerar filhos tem prazo de validade e a energia vital para os cuidar vai esmorecendo. Tudo o que me falta fazer parece-me tanto para o tempo que imagino à minha frente. Não cabem tantos livros e filmes e viagens e experiências nas décadas que imagino ainda poder viver. O meu maior conflito interior neste momento é já não ser nova para tanta coi...